O Estado de S. Paulo
A renovação de frota poderia dar um grande impulso ao setor de caminhões no País, mas para isso é preciso uma política de governo bem estruturada, diz Roberto Leoncini, vice-presidente da Mercedes-Benz. “Os caminhões novos são mais seguros, econômicos e emitem menos poluentes. No Brasil, caminhão de 15, 20 anos tem isenção de IPVA. Isso não faz sentido.” Segundo o executivo, o mercado tem potencial para absorver 200 mil unidades ao ano, quase o dobro dos 101,3 mil vendidos em 2019. A seguir, trechos da entrevista.
O setor de caminhões projeta crescimento entre 10% e 15% nas vendas neste ano. A Mercedes tem a mesma previsão?
Se crescermos de 10% a 20% é pouco. Considero triste, levando em conta o estado da frota e o potencial do Brasil na geração de carga. Há o impacto do coronavírus, mas a safra vai crescer, a distribuição de renda está melhorando e o desemprego, embora ainda alto, está caindo. Além disso, o PIB dos Estados vem avançando. Tudo isso leva a indústria a acreditar ser plausível fechar 2020 com vendas de até 120 mil caminhões.
Há sinais de crescimento na indústria?
A indústria vem melhorando, assim como o varejo. Creio que deveríamos estar falando de muito mais que 200 mil veículos. Mas vai ser uma longa caminhada. Temos uma frota com idade média superior a 20 anos. O potencial de renovação é bem grande.
As exportações podem influenciar a projeção de crescimento?
Infelizmente, as coisas na América Latina não estão acontecendo do jeito que a gente esperava. A Argentina é o maior mercado para exportações da Mercedes-Benz e continua bem contida. Mas temos de dar um voto de confiança ao novo governo. No Chile, a instabilidade social contribuiu para o recuo das vendas. Por isso, o crescimento no volume de negócios será baseado no avanço do mercado interno.
O setor de caminhões vem apresentando novidades tecnológicas para reduzir as emissões de poluentes. A Scania começou a produzir caminhão a gás e a Volkswagen está investindo nos elétricos. O que a MercedesBenz prepara para o País?
O Grupo Daimler (dono da Mercedes-Benz) tem soluções prontas, principalmente em eletrificação (veículos híbridos e elétricos). Há opções da Fuso (marca japonesa) e da MercedesBenz. A Freightliner (americana) também está investindo na eletrificação. O atual modelo de eletrificação não é a solução final porque na maioria dos países a eletricidade não vem de fontes renováveis. Qual o sentido de estimular o veículo elétrico se a geração de energia não vai ser limpa? Existe um passo adiante, que talvez seja a célula a hidrogênio.
E caminhões movidos a gás?
A história do gás no Brasil é complicada. A Mercedes foi a primeira a ter essa iniciativa com os ônibus. Todo mundo entrou, mas o barco terminou à deriva. No momento, preferimos observar os movimentos do mercado. Temos uma posição na Anfavea (associação das fabricantes) e acreditamos ser um absurdo a ideia de isentar de impostos um caminhão importado a gás. Não é justo, porque esse caminhão vai rodar aqui, mas sua produção não gerou emprego nem renda no Brasil. Estou acompanhando a iniciativa de produção local da Scania com muito interesse.
Quais são os desafios?
Um deles é a falta de infraestrutura de reabastecimento. Acreditamos que, em vez de criar infraestrutura para novas tecnologias, deveríamos olhar para a frota circulante. Se trouxéssemos todos os donos de veículos antigos para o P7 (programa de redução de emissões de combustíveis, equivalente ao Euro 5), a redução de emissões de CO² seria impactante.
Qual sua avaliação do biogás?
O biogás é fantástico. Seria muito bom ter caminhões com essa tecnologia fazendo o transbordo do lixo das cidades para aterros sanitários. Mas é preciso cuidado. Em nenhum lugar do mundo há uma frota de caminhões a gás que corresponda de 15% a 20% do total. E isso não tem a ver com o preço do combustível. O maior entrave é a complexidade da infraestrutura de reabastecimento.
Os clientes cobram da empresa a oferta de novas tecnologias?
Vários clientes perguntam se temos iniciativas semelhantes às dos concorrentes. Eles são pressionados pelo embarcador. Mas, quando pergunto quantos caminhões a gás eles querem comprar, para que eu possa levar a discussão para fábrica, a resposta normalmente é um. Isso é inviável.
A renovação de frota daria impulso grande ao setor?
Para que ocorra a renovação é preciso adotar um conjunto de medidas, e muitas delas são impopulares. Bastaria um aumento na fiscalização em relação a componentes de segurança como pneus, sistemas de iluminação, emissão e freios. Isso automaticamente daria início a um processo de renovação. Outra questão é a tributação. O caminhão novo paga mais imposto do que o velho. Aliás, depois de 15, 20 anos há até isenção de IPVA. Isso não faz sentido.
Como estão as discussões com o governo sobre o tema?
Tentamos mostrar ao governo há muito tempo a importância da renovação da frota. Mas toda vez que a indústria toca no assunto, vira vilã. É comum acharem que o objetivo é só vender mais. Não levam em consideração que um caminhão novo equivale a quatro de 20 anos. Ou seja, haveria redução de emissões e da frota. Levantamos a questão sempre que há troca de governo. Mas, se houver aperto na fiscalização, por exemplo, o caminhão de um eleitor poderá será retirado das ruas.
Para viabilizar a renovação é preciso incentivo, como crédito facilitado?
Esse caminhão deveria ser reciclado. Aliás, a reciclagem é um dos temas a serem discutidos. É preciso garantir destinação ao caminhão velho e um valor justo na troca pelo mais novo. Não dá para repassar essa conta toda para o governo. Uma parte terá de ser paga pela sociedade. O governo teria, por exemplo, de reduzir juros para incentivar a troca. Uma ideia seria a isenção de pedágio para quem tem caminhão com até três anos. As montadoras também terão de pagar parte da conta. O desafio é encontrar o ponto de equilíbrio, pois ninguém vai querer botar a mão no bolso sozinho. (O Estado de S. Paulo/Andrea Ramos)