O Estado de S. Paulo
Durante anos, os dirigentes da indústria brasileira martelaram que quase todos os problemas dos baixos resultados do setor produtivo eram consequência tanto dos juros altos demais quanto do câmbio, “sempre defasado”.
Pois os juros básicos (Selic) estão hoje nos níveis mais baixos da história econômica do País (4,25% ao ano) e, desde janeiro de 2018, a cotação da moeda estrangeira não para de subir. Mas a atividade da indústria de transformação não dá sinais de reação, não consegue engrenar a primeira marcha. Ou seja, vai que não é por falta de crédito e de câmbio que a indústria brasileira continua prostrada e raquítica.
O avanço fraco da produção e da renda no último trimestre de 2019, antecipado pelo Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), levou analistas a colocar em dúvida a disposição do Copom de manter a Selic no patamar onde está, especialmente depois que já se tem ideia melhor sobre o impacto negativo da epidemia do novo coronavírus sobre a atividade global e também sobre a do Brasil. Sugerem que o Banco Central irrigue o mercado com mais dinheiro para ajudar na recuperação, no pressuposto de que o consumo ainda fraco tende a manter a inflação em níveis inferiores aos da meta, que é de 4,0% ao final de dezembro.
Pode ser que, do ponto de vista estritamente técnico, seja mesmo recomendável que os juros caiam mais. Mas essas pressões pelo recuo ainda maior parecem ignorar que, no ambiente de juros baixos, os bancos centrais (não só o do Brasil) já não vêm obtendo a mesma eficácia da política monetária como a que obtinham quando a inflação e os juros eram bem mais altos. O mundo rico vive uma situação em que a irrigação de mais moeda (juros baixos ou até negativos) não consegue se converter em mais consumo e mais renda que sejam capazes de realimentar a produção e o emprego.
No caso do Brasil, se câmbio mais alto e juros baixos não vêm conseguindo puxar por mais produção, é preciso procurar causas mais profundas do emperramento. A indústria brasileira padece do mal crônico de baixa produtividade, anterior ao salto competitivo dado pela indústria asiática (e não só a chinesa), que produz mais barato e melhor. A indústria brasileira só consegue competir à força do doping proporcionado por reservas de mercado, subsídios e desonerações. Já não se sustenta o discurso de que a fábrica brasileira opera com tecnologia avançada e alta produtividade, mas que, do portão para fora, esbarra com sobrecarga dos impostos, juros insuportáveis e câmbio desfavorável. O excesso de proteção continua fazendo mal, porque impede que o setor se integre às cadeias globais de produção e distribuição.
Se é verdade que irrigação generosa de moeda já não dá mais conta da alavancagem da produção, será preciso acionar outros mecanismos, tanto de política fiscal (alocamento de recursos orçamentários) quanto de arrumação da economia, como reformas, desburocratização e avanços na infraestrutura. (O Estado de S. Paulo/Celso Ming)