Diário do Transporte
Sem a necessária discussão prévia com a sociedade e todos os setores e instituições afins e, aparentemente, sem estudos técnicos que justificam a medida, indicando que esta está ajustada a um plano consistente de futuro para a indústria e a atividade agrícola brasileira, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado aprovou o PLS 304/2017 do senador Ciro Nogueira (PP–PI), que proíbe a circulação de automóveis a diesel e gasolina no território brasileiro a partir de 2040. A venda dos veículos leves novos a diesel e gasolina já seria proibida em 2030.
A vocação brasileira e a prática do uso automotivo de biocombustíveis – etanol, biogás, biodiesel e o diesel verde 100% renovável (emissão zero de CO2 fóssil), com emissões de poluentes tóxicos muito inferiores ao diesel convencional fóssil, e que poderá ser produzido no Brasil para substituir com perfeição e vantagens ambientais o diesel fóssil em motores convencionais a combustão – fazem do Brasil um caso especial em relação a muitos países que não dispõem dessas alternativas, com tanta abundância, know-how e competitividade. Isso quer dizer, que ideias inovadoras importadas merecem avaliação cautelosa.
Todas as decisões neste campo, tem que ser tomadas a partir do planejamento prévio da matriz de combustíveis e energia que o País quer ter nos próximos 30-40 anos. É preocupante, que um Projeto de Lei de um parlamentar que copia ideias vagas de países desenvolvidos e ricos sem conhecer muito bem as respectivas conjunturas (e a sua própria, principalmente), possa determinar rumos para a matriz de combustível e energética do Brasil, e para a indústria nacional automotiva e de combustíveis renováveis e fósseis.
Seria como colocar o carro à frente dos bois, como já foi feito algumas vezes, por exemplo, no caso da súbita decretação da substituição compulsória – em prazo inviável, e sem tecnologias e infraestrutura disponíveis – de um combustível convencional por alternativas ainda não testadas e consolidadas. Por sua vez, os prejuízos à sociedade brasileira e à imagem do Poder Público, bem como o insucesso dessas leis, foram plenamente consolidados.
E mais: está claro até mesmo para os que tem o mínimo conhecimento desse assunto, que não se pode tomar decisões de cunho ambiental, baseadas apenas nas emissões parciais de carbono fóssil no uso final do insumo energético, sem uma análise de ciclo de vida de cada uma das vertentes usadas para tração automotiva.
Além disso, a sustentabilidade é um tripé: ambiental (emissões de poluentes tóxicos locais e de gases do efeito estufa); econômico (know-how existente, reservas naturais, indústria instalada, infraestrutura de distribuição, cadeia de produção agrícola, exportação de bens e insumos etc) e social (empregos em pesquisa, indústria, comércio e no campo). Tudo isso deve ser colocado na mesa na hora de discutir o planejamento da matriz energética e de combustíveis automotivos para os próximos 30-40 anos, e que tipo de transporte de passageiros e carga e de frota veicular queremos ver rodando no futuro em nosso território.
Nada acontecerá de forma eficaz e otimizada com canetadas rasas. Muitos parlamentares no Brasil não respeitam a ordem natural das coisas; as decisões são concebidas em gabinetes fechados e legitimadas em audiências formais, sem a participação suficiente de experts e das instituições envolvidas, e sem descer a fundo no conteúdo e suas consequências. Estamos cercados por grandes fracassos na área dos combustíveis automotivos, devido ao açodamento da tomada de decisões de Estado. Isso é inaceitável. (Diário do Transporte/Olimpio Alvares,bengenheiro especialista em emissões veiculares, ex-gerente da Cetesb e Diretor da L’Avis Eco-Service; concebeu o Projeto do Transporte Sustentável do Estado de São Paulo, é fundador e Secretário Executivo da Comissão de Meio Ambiente da Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP)