O Estado de S. Paulo
A escalada na cotação do dólar, que ontem encerrou o dia cotado a R$ 4,32, vai levar a GM a um reajuste no preço de seus automóveis nos próximos dias. A afirmação é do argentino Carlos Zarlenga, presidente da General Motors na América do Sul. O executivo afirma que, hoje, 40% das peças de um carro de passeio básico veem do exterior. E com o dólar estabelecido acima dos R$ 4, o aumento projetado para 2020 vai ficar acima do registrado nos anos anteriores. Levantamentos da Bright Consulting, especialista no setor, apontam que os automóveis estão ficando mais caros, pelo menos, 1,5% acima da inflação todos os anos. “Neste ano, o reajuste será maior”, diz Zarlenga, que não descarta queda em volume de vendas decorrente disso. “Não tem o que fazer”, afirma. Acompanhe os principais trechos da entrevista:
A escalada do dólar (que ontem encerrou o dia cotado a R$ 4,32) preocupa os negócios da GM no Brasil?
Muito. Se você acompanhar a desvalorização do real nos últimos anos vai ver que é algo importante para nós. Nossa indústria tem muito custo em dólar e isso gera uma queda importantíssima nos resultados das empresas. Então, o que eu acho que vai acontecer é uma tração de preços maior neste ano do que a gente já viu no ano passado. É basicamente o único caminho.
Vocês, então, vão repassar a desvalorização do real para o preço dos produtos?
A posição do real não está para se fortalecer significativamente neste ano, ainda mais com a queda na taxa de juros. E no horizonte da economia global, não está tão claro o fortalecimento do real. Eu acho que isso vai ter um impacto, sim, nos preços.
As montadoras já vem aumentando, ano a ano, os preços dos automóveis. Em média, os carros registram alta real, acima da inflação, de até 2,5%.
O principal aumento nos custos nos últimos anos não é relacionado a inflação. O principal aumento no preço dos produtos é a desvalorização do real.
Eu diria que, se você analisar o preço dos carros em dólar, eles têm caído. E também a gente tem de levar em conta os impostos. Quanto de imposto tem ai?
De quanto deve ser, então, o reajuste para este ano?
Vai depender do real.
Os economistas falam que o patamar adequado para a cotação do dólar frente o real gira em torno de R$ 4,20.
(Nesse caso, o aumento) estará acima do patamar do ano passado. É difícil falar quanto a indústria aumentou no ano passado, mas aumentou mais do que a inflação.
Com o preço médio dos carros girando em torno de R$ 75 mil, alguns afirmam que a GM vai encontrar dificuldades para aumentar os preços, que estariam hoje no limite do mercado. Isso não vai afetar o crescimento da empresa?
Não tem o que fazer. Quando se tem esse impacto tão violento nos preços por causa da desvalorização do real, basicamente você não vai vender um volume maior. Precisa aumentar os preços e pode não crescer em função disso.
Qual é o impacto hoje do dólar em um veículo popular da GM, como o Chevrolet Ônix?
O nível de produção local do Ônix é de 60%. Então, estamos importando 40%. E a gente faz um trabalho bastante bom de regionalização. O problema é que temos a dificuldade, pelo custo Brasil, de exportar fora do Mercosul, o que seria uma forma de fazer um hedge em dólar. Mas fora do mercado argentino não temos muito a oportunidade de exportar. Não são problemas de nossas fábricas. Os problemas estão na carga de impostos, que é altíssima, e da logística, que é rodoviária. Enfim, todas as ineficiências que a gente conhece de longa data.
Você já disse que o índice de importação é muito puxado pelo aumento dos acessórios eletrônicos dentro dos carros. Mas a GM também importa pneus, rodas e amortecedores, por exemplo. Esse tipo de acessório não poderia ser fornecido por produtores locais?
Quando eu digo que temos 60% de conteúdo regional e 40% importado nós estamos falando dos valores dentro da cadeia de suprimento que pagamos em dólar. Não estamos falando aqui de tudo que o fornecedor que chamamos de pier 1, que fornece diretamente para a montadora, produz. Mas falando de tudo que é produzido dentro da cadeia dele. Uma roda tem produção nacional. Mas dentro da roda, quais são os componentes importados? Qualquer parte do carro tem componentes. É nessa visão que 40% do custo de fabricação do carro é em dólar. E essa é a realidade que temos de trabalhar. O caminho seria exportar, mas, de novo, ai fica difícil pela carga de impostos do Brasil e pelas dificuldades na logística. Nossa fábrica de Gravataí (RS) já é a fábrica mais eficiente do mundo, não só para a GM, mas é a mais eficiente do mundo para a fabricação de carros médios. Daí, da porta para fora você agrega impostos e ineficiência logística, fica impossível exportar.
Outra questão relacionada à importação de insumos é o surto de coronavírus, que levou empresas na China a fecharem temporariamente as portas. Isso pode afetar a produção da GM na América do Sul?
Nosso time está trabalhando nesse problema todos os dias, com reuniões pelas manhãs e pela parte da tarde para ver como está nosso fornecimento. Ainda não fomos atingidos, mas claramente estamos consumindo estoques de emergência. Tem o ponto que, no final, um carro possui 3,5 mil partes. Se falta uma, você não consegue fazer o carro. É uma cadeia de suprimento muito complexa. Se a situação na China não melhorar rapidamente, teremos problemas com fornecimento de peças, que vai ter impacto no nível de fabricação.
A GM consegue manter a sua produção por quanto tempo, caso a situação persista?
Acho que se estender até o início do segundo trimestre, ficará bem complexo. E não é apenas e extensão total do problema, mas, sim, em quanto tempo as fábricas voltarão a operar de forma plena. Agora mesmo deram mais uma semana de fechamento para as plantas fabris da província mais afetada pela doença. Isso já agrega um nível superior de pressão aplicado ao nosso estoque de emergência. Vamos ver o que acontece na semana que vem.
“Não tem o que fazer. Quando se tem esse impacto tão violento nos preços por causa da desvalorização do real, basicamente você não vai vender um volume maior. Precisa aumentar os preços e pode não crescer em função disso”, Carlos Zarlenga, presidente da GM América do Sul. (O Estado de S. Paulo/Renato Jakitas)