O Estado de S. Paulo/The New York Times
Está chegando o dia em que passageiros presos no trânsito serão libertados do árduo trabalho de dirigir. Os carros autônomos vêm aí – e empresas estão investindo bilhões para criar sensores e algoritmos capazes de deixar os motoristas voltar sua atenção para onde gostariam: os smartphones. Antes que a grande promessa de fazer várias coisas ao mesmo tempo na estrada possa ser cumprida, será preciso superar um problema antigo: o enjoo.
“O setor de veículos autônomos entende que este é um problema real com o qual precisa lidar”, disse Monica Jones, pesquisadora de transportes da Universidade de Michigan. “Isso me motiva a ser muito sistemática”. Desde 2017, Jones lidera uma série de estudos, nos quais mais de 150 pessoas ficaram presas no banco da frente de um Honda Accord de 2007. Vários sensores foram conectados e montados em um trajeto que incluía aproximadamente 50 curvas à esquerda e outras manobras.
Cada pessoa foi levada pela mesma rota sinuosa pela segunda vez, mas ao mesmo tempo se pediu que concluíssem um conjunto de 13 tarefas cognitivas e visuais simples em um iPad Mini. Cerca de 11% dos passageiros sentiram náuseas ou, por outras razões, pediram que o carro fosse parado. Além disso, 4% vomitaram. Jones não se alegra em documentar que seus pesquisados estejam ficando tontos, hiperventilando ou perdendo o almoço. Ela sente a dor deles – literalmente.
A pesquisadora sofre de enjoo crônico em locomoção, tendo experimentado esses desconfortos nos bancos traseiros dos carros a vida toda. “Não me lembro de não ter passado por isso”, disse ela. “E, à medida que envelheço, está piorando.” Não é só para ela: também está piorando para as legiões de passageiros que chamam Ubers ou táxis e entram, mal conseguindo desviar o olhar de uma tela no processo.
Os pesquisados da Universidade de Michigan foram recrutados para representar não apenas aqueles com histórico de enjoo, como Jones, mas também passageiros ao longo de um espectro de suscetibilidade. Um número igual de homens e mulheres foram testados.
Os primeiros testes de 20 minutos foram realizados na MCity, uma cidade virtual gerenciada pelo Transportation Research Institute da Universidade de Michigan. Mais recentemente, porém, o Accord se fundiu com o tráfego local para corridas de uma hora. As pessoas que fizeram o teste foram então transferidas para o banco traseiro, onde estão cada vez mais os americanos.
No estudo, as pessoas narraram seus níveis de náusea durante a rota. Câmeras de vídeo e sensores com fios capturaram expressões faciais, frequência cardíaca, temperatura da pele e alterações na postura do corpo e da cabeça. Esses foram indexados com base em métricas precisas sobre o movimento do veículo.
Jones quer ajudar as pessoas a evitar e tratar suas sensações com o movimento. Mas, neste estágio inicial da pesquisa, ela está apenas buscando entender melhor os “fundamentos da resposta humana”. Por exemplo, pode haver pistas sobre como as pessoas que ficam enjoadas mantêm a cabeça, a postura ou posicionamento nos dispositivos móveis que estão usando. “Não estou em busca de uma solução de engenharia diretamente”, disse Jones.
Soluções de engenharia
É o que busca, porém, Florian Dauth, engenheiro de condução automatizada do grupo ZF. A empresa alemã, um dos maiores fornecedores automotivos do mundo, está no negócio de desenvolver soluções de engenharia. Ele trabalha há mais de dois anos em estratégias para reduzir o enjoo pelo movimento em veículos autônomos.
“Estamos desenvolvendo algoritmos que aprendem com base em reações corporais”, disse ele, referindo-se ao código gerado por máquina que determina o caminho do veículo. Para navegar pela estrada com segurança, os veículos automatizados já recebem e combinam dados de um arsenal de sensores de radar, laser, vídeo e ultrassônicos. A ZF disse que os dados sobre o bem-estar do passageiro devem ser adicionados ao algoritmo.
Dauth está coletando dados biológicos dos passageiros por meio de entradas com cabos, como medições da atividade cerebral de eletrodos colocados no couro cabeludo de um passageiro e monitoramento semelhante do coração. Quando colocado em produção, o sistema de biofeedback autônomo provavelmente seria reduzido a câmeras alimentadas por software de detecção facial ou talvez por dispositivos usáveis como roupa.
“Digamos que o carro faça uma forte curva à esquerda e freie muito bruscamente em um semáforo vermelho. Estamos gravando todos os movimentos do veículo e as reações dos passageiros em paralelo”, disse Dauth. “Se você reagir de uma maneira que lhe dê sintomas, evitaremos essas manobras no futuro.” Em outras palavras, a IA do carro autônomo aprende a dirigir de uma maneira que não o deixa enjoado.
A ZF pode querer que os carros automatizados se tornem motoristas mais calmos, mas em Michigan, a pesquisa de Jones coloca parte da responsabilidade de evitar enjoos no senso comum de um motorista. Como se pode esperar, não ler um livro ou ver o Twitter ajuda a evitar enjoos.
Mas Brian Lathrop, tecnólogo da Volkswagen com doutorado em psicologia cognitiva, não tem esperança de que os passageiros desliguem seus telefones. “Se você está falando de um veículo autônomo de nível 4, precisa se perguntar: o que as pessoas farão no carro?”, disse. Em um carro de nível 4, os passageiros não precisam prestar atenção no volante ou na estrada.
“A resposta fácil é que eles ainda vão usar seus smartphones”, disse ele. “Mas você também precisa antecipar a alta probabilidade de que eles usem algum tipo de realidade virtual (RV) ou sistema de realidade aumentada”. Isso mesmo. Estamos diante de um admirável mundo automotivo, no qual as pessoas dão zoom na estrada em um veículo autônomo enquanto usam capacete de realidade virtual totalmente imersivo.
Lathrop, trabalhando com colegas tecnólogos do Centro de Engenharia e Inovação da Volkswagen, Califórnia, no coração do Vale do Silício, está tentando eliminar os enjoos ao usar RV em um automóvel em movimento. Lathrop disse que o desconforto acontece quando há uma desconexão entre os sinais enviados ao cérebro pelo ouvido interno e o que você está vendo. “Eu queria olhar, como você poderia resolver essa falta de conexão entre os sinais visuais e o sinal de estímulo?”, disse ele.
Em pouco tempo, a Volkswagen e sua marca de luxo, Audi, estavam desenvolvendo conteúdo RV original para o carro. “Você pode coordenar o fluxo óptico de informações visuais dentro do fone de ouvido RV, de forma que elas estejam correlacionadas com o real movimento do veículo”, disse ele. (O Estado de S. Paulo/The New York Times/Tradução de Claudia Bozzo)