Os juros negativos e o mundo mudando

O Estado de S. Paulo

 

A Suécia é um país rico, mas relativamente pequeno. Seu PIB é de apenas US$ 556 bilhões, 30% do PIB brasileiro. Não está nem no G-7, nem no G-20, nem na União Europeia. O que acontece com sua economia quase nunca incomoda o resto do mundo. Mas, desde o dia 19 de dezembro, a decisão do seu banco central, o Riksbank, o mais antigo do mundo, vem causando rebuliço no mundo das finanças.

 

Foi também o primeiro banco central a trabalhar com juros negativos, já em 2009. Agora, é o primeiro a desistir desse jogo. Ninguém está especialmente preocupado com o impacto dessa decisão sobre a economia mundial. Mas muita gente desconfia de amplo contágio: o que acontece com esse banco central relativamente pequeno pode acontecer também com os grandes.

 

Nesta quinta-feira, a presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, fez questão de dizer, logo no início da entrevista coletiva à imprensa que se seguiu ao anúncio dos juros, que não falaria sobre o movimento do Riksbank. Mas não escondeu que está preocupada com efeitos indesejáveis produzidos pelos juros negativos.

 

Desta vez, o BCE não mexeu nos juros do euro, alegando necessidade de dar mais alento para a indústria. Mas, depois, em documento oficial, o BCE anunciou ampla revisão da estratégia de sua política, que deve se estender ao longo deste ano. O argumento é o de que o mundo está mudando rapidamente, a atividade econômica está mais fraca, a produtividade segue em queda, a tecnologia digital vai produzindo impactos, a população envelhece e o banco central tem de atender à necessidade de garantir sustentabilidade ambiental para a economia. Afora isso, uma política monetária com inflação alta não funciona tão bem quanto a conduzida quando a inflação é baixa. Ou seja, essas coisas novas mudam não só o comportamento da inflação, mas, também, a melhor maneira de combatê-la. Nesse novo ambiente, até mesmo continuar a medir a inflação pelos métodos convencionais pode deixar escapar elementos importantes para definição de uma política de metas.

 

Em nenhum momento nem Lagarde nem os documentos do BCE deixaram claro que pretendem reverter a política de juros negativos. Mas, por consequência, se tanta coisa está mudando, algo tem de mudar também aí.

 

Quando iniciaram o processo da derrubada dos juros, a ideia dos bancos centrais era atacar o baixo crescimento da economia com irrigação de dinheiro abundante e barato. Como teriam de pagar para estacionar suas reservas no banco central, os bancos seriam obrigados a aumentar suas operações de crédito e cobrar dos seus clientes juros bem mais baixos. Enfim, essa fartura concorreria para estimular a economia e o emprego.

 

Os resultados dessa política não foram grande coisa. Com raras exceções, a atividade econômica não reagiu como o esperado. Além disso, por todo o mundo rico, apareceram efeitos colaterais perversos ou indesejáveis produzidos pelos juros negativos ou quase isso. Aqui vão alguns deles:

 

As moedas enfraqueceram-se. Os produtos importados ficaram mais caros. A inflação começou a aparecer. Dinheiro abundante e barato funcionou como energia artificial para empresas problemáticas que deveriam ser fechadas. Além da queda da produtividade da economia, isso produziu aumento de risco para os bancos. Em alguns mercados, ações e imóveis ficaram caros demais. A queda do rendimento das aplicações financeiras e dos fundos de pensão trouxe insegurança para famílias que fizeram sacrifícios para montar reservas que assegurassem seu futuro. A poupança nacional foi desestimulada. As economias passaram a enfrentar alocações menos racionais e menos produtivas de recursos.

 

E, paradoxalmente, há quem identifique em alguns países o que se chama de efeito Japão: em vez de aumento do consumo, juros negativos passaram a estimular ainda mais a poupança e pessoas sentiram necessidade de reforçar suas reservas para aposentadoria.

 

Não dá para concluir que, por toda parte, a política de juros negativos começará a ser revertida. Mais importante agora é o anúncio do BCE de que algo deve mudar na sua estratégia, simplesmente porque o mundo mudou. Por isso, fará amplas consultas e definirá ao cabo de um ano o que irá reformular. Falta saber o que isso significa. (O Estado de S. Paulo/Celso Ming)