O Estado de S. Paulo
Esta é a pergunta a que a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) buscou responder em um estudo recém-publicado.
Nos últimos dois séculos a expectativa de vida global cresceu de 30 anos para mais de 70, a faixa de pessoas na miséria caiu de 80% para 8% e a alfabetização ultrapassou 80% – e isso enquanto a população mundial se multiplicava de 100 milhões para 6,5 bilhões. À frente deste processo, a revolução industrial avançava como uma locomotiva e em seus motores queimava o combustível fornecido pelas indústrias de óleo e gás. Mas hoje, dada a consciência dos impactos do gás carbônico, elas são pressionadas a esclarecer o seu papel na transição para as energias limpas. Em outras palavras: elas são a pior parte do problema ou serão cruciais para a sua solução? Esta é a pergunta a que a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) buscou responder em um estudo recém-publicado.
A análise partiu de três considerações: 1) a demanda crescente por energia de uma população e uma economia em expansão; 2) a consciência do papel crítico que o óleo e o gás têm no presente e terão no futuro; e 3) o imperativo categórico de reduzir emissões em conformidade com objetivos climáticos consensuais, como os do Acordo de Paris.
O desafio para a indústria de óleo e gás é equilibrar os ganhos de curto prazo com a sua permissão para operar a longo prazo. Grosso modo, a sua prosperidade depende da capacidade de desenvolver tecnologias de baixo carbono. Isso não se fará sem custo e sacrifícios para toda a cadeia.
Algumas empresas têm investido em energia eólica e solar. Outras, na produção e distribuição de energia elétrica. Até o momento, contudo, esse investimento tem sido menor do que 1% do capital total empregado, muito menos do que o necessário para acelerar consistentemente as transições de energia. A IEA estima que elas podem fazer muito mais. “Há amplas oportunidades economicamente viáveis para diminuir a intensidade das emissões do óleo e do gás minimizando a combustão do gás associado e a liberação de CO2, combatendo as emissões de metano, e integrando fontes renováveis e eletricidade de baixo carbono às novas fórmulas de gás liquefeito.” De todas as medidas, a mais importante é a redução de vazamentos de metano na atmosfera.
A parcela de 20% da eletricidade no consumo global de energia tem aumentado. Mas a eletricidade não pode ser o único vetor de transformação no setor de energia. É vital investir em fontes capazes de fornecer sistemas energéticos de hidrocarbonetos sem as emissões de carbono, como hidrogênio de baixo carbono, biometano e biocombustíveis.
Os recursos financeiros e técnicos do segmento de óleo e de gás podem ter um papel central na reelaboração de alguns dos setores poluentes mais difíceis de enfrentar. Isso inclui o desenvolvimento de sistemas de captura, armazenamento e utilização de carbono, hidrogênio de baixo carbono, biocombustíveis e energia eólica.
São atividades que exigem financiamento, engenharia e capacidade de gerenciamento em larga escala, como poucas empresas poderiam prover. Se as companhias de óleo e gás forem capazes de estabelecer parcerias com governos e outros interessados para criar modelos de negócios viáveis, poderiam fornecer um grande impulso ao mercado de energia limpa.
Na expressão da IEA, “uma mudança do ‘óleo e do gás’ para ‘energia’ tira as companhias de sua zona de conforto, mas oferece um modo de administrar os riscos de transição”. A chave para a sustentabilidade destas companhias está na habilidade de equilibrar retornos e dividendos com diversificação – seja em setores consolidados, mas distantes de seus negócios tradicionais, como eletricidade, seja nos afins, mas ainda incipientes, como a energia eólica.
São desafios portentosos para as empresas multinacionais e especialmente para as nacionais (como a Petrobrás), porque menos diversificadas. Mas não há alternativa a enfrentá-los, se não por idealismo, por mero pragmatismo: ainda que elas conseguissem se evadir da responsabilidade pelos custos ao meio ambiente, a conta para seus acionistas não tardará a chegar. (O Estado de S. Paulo)