Economia circular nos transportes

Gazeta do Povo

 

A mudança do atual modelo de transportes para um padrão com sustentabilidade ambiental – com menos emissão de CO2 – deve envolver um conceito mais amplo, o da economia circular, ainda pouco difundido no Brasil e que inclui a sustentabilidade social (com geração de renda e empregos) e financeira, para segurar a iniciativa em pé e funcionar como um negócio.

 

A indústria automotiva já investe alto para disponibilizar, inclusive no Brasil, várias tecnologias para fazer essa transição nos transportes, substituindo a fonte fóssil, o diesel, por alternativas renováveis e limpas que vão dos biocombustíveis à eletrificação. Como parte do problema – o setor de transportes é responsável por 14% das emissões de gases de efeito estufa –, estamos em busca de soluções.

 

Este momento de transformação oferece grande oportunidade às fabricantes de caminhões, ônibus e veículos em geral. Na construção de uma agenda positiva, o maior desafio para o setor é trazer a transformação mais perto do nosso dia a dia, seguindo a vocação brasileira, rica em biocombustíveis. Além do gás natural veicular (GNV) extraído na produção do petróleo – e, infelizmente, ainda pouco utilizado aqui –, do etanol, do biodiesel e do HVO (óleo vegetal hidratado), possuímos uma riqueza que não está sendo explorada: o lixo e o esgoto gerados nas cidades e os resíduos do agronegócio, fontes do biometano, renovável e limpo. Essa é a “cereja do bolo” das novas tecnologias.

 

Transformar um passivo ambiental em ativo energético é um bonde que o Brasil não pode perder. Temos bons exemplos de utilização dessa tecnologia, como em Estocolmo (Suécia), onde lixo e esgoto viram biometano para abastecer veículos e prover de gás de cozinha as residências. O excedente é vendido para movimentar a frota de ônibus da cidade. Com a vantagem de o preço deste biocombustível não ser influenciado por variações externas, como a cotação do petróleo.

 

Trata-se de um negócio que pode ser explorado já. Somente na Grande São Paulo temos 22 milhões de habitantes produzindo lixo e esgoto, destinados a aterros. Ao mesmo tempo, cerca de 15 mil veículos poluem o ar. Estudo encomendado pela indústria automotiva apontou que a poluição causada pela frota envelhecida custa mais de R$ 60 bilhões ao ano ao SUS, INSS, acidentes de trânsito, entre outros gastos.

 

Não seria mais inteligente o Estado incentivar uma fonte energética renovável e limpa, com potencial para resolver todos esses outros problemas, e empregar esses recursos para motivar as empresas mistas ou privadas a explorar um combustível novo?

 

A aposta no biometano é também um caminho para impulsionar o desenvolvimento econômico dentro do conceito da economia circular, que engloba a sustentabilidade ambiental, social e econômica. Mas, para dar esse salto qualitativo, temos obstáculos a vencer. Eles envolvem, sobretudo, o papel do Estado brasileiro na regulamentação desse setor e das empresas privadas nas transformações em curso. Políticas públicas de apoio às tecnologias – que andam bem mais rápido que os reguladores – ganham relevância nesse contexto.

 

Não é atribuição dos governos, como acontece em algumas situações no Brasil, escolher a “melhor” tecnologia na transição entre os dois modelos. Ao setor público cabe definir quanto os cidadãos vão ter de aturar de poluição, fixar metas de redução e deixar o setor privado disputar internamente quem vai  entregar a melhor tecnologia com o menor custo. Deve-se dispensar ainda o antigo conceito “do tanque à roda”, que mede as emissões apenas a partir do escapamento do veículo (ou da sua ausência, no caso da eletrificação) e passar a utilizar o conceito mais moderno de “poço ao caixão”, isto é, considerar a sustentabilidade para extração e produção do combustível até o seu devido descarte.

 

Retirando os entraves da regulação, bem mais rígida que na Europa, e criando estímulo para esse investimento – isenção tributária ou financiamento de longo prazo –, o Estado brasileiro induzirá as empresas a aderir à cultura da energia derivada do lixo, por exemplo, criando alternativa à gasolina, ao etanol, ao gás natural, sem demonizar os demais combustíveis, mas promovendo a competição. E a concorrência fará com que todo mundo ganhe.

 

Sem apoio público, fica mais difícil para o setor automotivo liderar a mudança rumo ao transporte sustentável, disseminando o conceito da riqueza procedente do lixo, e permitindo ao biometano, com tecnologia disponível no Brasil, ganhar escala. Ao Estado cabe criar um ambiente propício para o setor privado, garantindo marco regulatório e infraestrutura adequados para que as empresas percebam essa alternativa como um negócio e invistam. Isso faria clientes e consumidores aceitarem essa inovação. Sem demanda não há negócio. (Gazeta do Povo/Gustavo Bonini é diretor de Relações Institucionais e Governamentais da Scania Latin America)