O Estado de S. Paulo
Quando fechou e pediu recuperação judicial no fim de 2015, o Estaleiro Ilha S.A. (Eisa) demitiu 3 mil funcionários. Rogério de Carvalho da Silva Sobrinho, hoje com 39 anos, trabalhava lá desde 2008. Foi demitido com a maioria dos colegas, em dezembro daquele ano. Em uma sexta-feira, já de manhã, a “rádio peão” anunciava o corte de pessoal. Na segunda-feira seguinte, alarmados, “os funcionários do dia pararam de trabalhar e foram tomar satisfação com as chefias”, contou Carvalho.
A “satisfação” foi prestada com a confirmação das demissões. Naquela mesma segunda-feira, centenas de funcionários seguiram em manifestação até a via de acesso do aeroporto do Galeão, como documentou o Estado. O estaleiro, ou o que restou dele, fica na Ilha do Governador,
mesmo bairro da zona norte do Rio onde está o terminal aéreo. Muitos trabalhadores ficaram sem receber seus direitos. Carvalho cobra R$ 95 mil do Eisa na Justiça trabalhista.
“No estaleiro fiz muitos amigos. Ali praticamente comecei minha vida adulta profissional. Aprendi muita coisa, aprendi ética profissional”, disse.
Em 2014, o Eisa começou a ter problemas financeiros. Houve atrasos nos salários, mas um empréstimo de US$ 120 milhões, em agosto daquele ano, garantiu alguma sobrevida. Com idas e vindas, a agonia prosseguiu por 2015, quando a economia já afundava na recessão. Foi quando o estaleiro entrou para a estatística de indústrias fechadas no Brasil.
O caso da indústria naval fluminense chama atenção para o recuo industrial brasileiro e suas consequências. No fim de 2014, o setor empregava 30 mil trabalhadores no Estado. Atualmente, são cerca de 3 mil.
Os 27 mil empregos perdidos se foram com estaleiros fechados ou quase parados, segundo Sergio Bacci, vice-presidente do Sinaval, entidade que representa a indústria naval. As unidades em funcionamento estão sem obras, dedicadas ao estacionamento de embarcações ou cuidam de pequenos reparos e manutenção.
Onda
Em crises como a que atinge a indústria brasileira há muitas versões para o fechamento de fábricas. Há companhias que, sem condições de manter uma ou todas as suas plantas quase paradas, optam por fechá-las de vez. Há os casos de falência definitiva, com capacidade produtiva e empregos destruídos. Também fala-se em revisões de estratégia.
As histórias se espalharam pelo País nos últimos anos. Entre 2016 e 2019, a fabricante de roupas catarinense Malwee fechou duas fábricas. A maior delas em Blumenau (SC). A empresa demitiu cerca de 300 funcionários no fim de 2016. Em maio do ano passado, desativou a unidade de Pomerode (SC). Nesse caso, funcionários e atividades foram transferidos para a principal planta, em Jaraguá do Sul (SC). Ela receberá R$ 100 milhões em investimentos.
“A unificação deve trazer ganhos de agilidade, eficiência operacional, sinergia e facilidade nas tomadas de decisão”, informou a Malwee, em nota.
No ano passado foi simbólico o fechamento da fábrica da Ford no ABC paulista. Construída pela Willys em 1952, a fábrica passara à Ford em 1967. Quando a Ford anunciou o encerramento das atividades, em fevereiro de 2019, eram 2,8 mil funcionários. Parte aceitou um pacote de demissão voluntária (PDV). Restavam 650 empregados na linha de produção no momento da desativação, em outubro. Esses trabalhadores foram desligados em novembro. Um grupo da área administrativa foi transferido para um novo escritório em São Paulo.
No Rio Grande do Sul, a fabricante de pneus Pirelli anunciou em maio o fechamento da unidade de Gravataí, dispensando 900 funcionários. “A produção dos pneus de moto da Pirelli, hoje realizada em Gravataí (RS), será transferida para Campinas (SP) até a metade de 2021”, diz nota enviada pela empresa. Em maio, a empresa anunciou que Campinas receberia investimento de ¤ 120 milhões com o objetivo de “melhorar a competitividade das fábricas no País”.
A Duratex, que fabrica de laminados de madeira (marca Durafloor) a louças e acabamentos para banheiro e cozinha (marca Deca), fechou uma fábrica em São Leopoldo (RS) em julho de 2019 e outra em Botucatu (SP) em setembro. No primeiro caso, o fechamento da fábrica da Deca foi “importante para a consolidação industrial e para manter a competitividade no segmento”, segundo a empresa.
Vida profissional
“No estaleiro fiz muitos amigos. Ali praticamente comecei minha vida adulta profissional. Aprendi muita coisa, aprendi ética profissional”, Rogério de Carvalho da Silva Sobrinho, ex-funcionário do EISA. (O Estado de S. Paulo/Vinicius Neder)