Ghosn dá sua versão sobre acusações, prisão e fuga

O Estado de S. Paulo

 

Refugiado em Beirute, o ex-presidente da Renault-Nissan Carlos Ghosn falará hoje sobre o processo a que responde no Japão e, talvez, sobre sua fuga, informa o enviado especial Fernando Scheller. Ontem, a promotoria japonesa expediu mandado de prisão contra sua mulher, Carole. Ela é acusada de ter dado declarações falsas em depoimento à Justiça.

 

Depois de 13 meses, desde que foi preso pela Justiça japonesa acusado de crimes financeiros, o ex-presidente da aliança Renault-Nissan Carlos Ghosn promete pôr fim ao silêncio. O executivo falará hoje oficialmente com jornalistas pela primeira vez. Apesar da expectativa da imprensa, que tenta fechar o quebra-cabeça da sua fuga da prisão domiciliar em Tóquio, em 29 de dezembro, Ghosn deve evitar dar detalhes da narrativa de sua viagem do Japão a Beirute, segundo apurou o ‘Estado’. Uma das apostas é que o executivo use a entrevista para, pela primeira vez, explicar sua defesa – e citar uma conspiração corporativa contra ele.

 

Diante da possibilidade de ser acusada, a Nissan se adiantou e divulgou ontem comunicado afirmando condenar a fuga de Ghosn. A montadora japonesa disse que “descobriu numerosos atos irregulares (do executivo) após uma investigação interna cuidadosa e robusta”. A nota da Nissan lembra ainda que foram abertas investigações contra ele na França e nos EUA.

 

A curiosidade pelas explicações de Ghosn é grande. Jornalistas de todo o mundo se concentram em frente à residência “oficial” do executivo no Líbano, ainda que não se tenha certeza de que ele esteja no local.

 

A casa pertence à montadora Nissan. Apesar de ter denunciado e demitido o executivo, a companhia fez um acordo que permitiu que a família continuasse a utilizar o imóvel. A maior parte dos jornalistas no local é do Japão – alguns deles fazem um monitoramento em tempo real da portaria há dias, filmando o local de forma ininterrupta.

 

Desde que deixou o Japão e se refugiou em Beirute, no Líbano, onde reencontrou a mulher, Carole, o executivo soltou apenas três comunicados curtos.

 

No primeiro, Ghosn afirmava que fugiu do Japão por não confiar que o sistema judiciário do país (que tem uma taxa de condenação de 99%) vá lhe dar o direito a uma defesa justa. No segundo, o executivo dizia que planejou a fuga sozinho, sem ajuda da família. Essa segunda nota visa a proteger os familiares.

 

Ordem de prisão. Ontem, a promotoria japonesa expediu um mandado de prisão contra Carole, afirmando que ela teria dado declarações falsas em um depoimento prestado à Justiça do país. Uma das condições da promotoria japonesa para conceder a prisão domiciliar a Carlos Ghosn foi a proibição de qualquer contato dele com a mulher – além disso, não ter acesso à internet e o pagamento de uma fiança de aproximadamente US$ 9 milhões (mais de R$ 36 milhões).

 

O assunto foi o tema da terceira nota divulgada por Ghosn até agora, em que classificou a ordem de prisão contra sua mulher como “patética”. O comunicado lembrou que, em abril deste ano, quando o executivo havia decidido falar sobre seu caso com a imprensa, ele acabou sendo preso. Ele havia sido libertado em março, após três meses e meio em um centro de detenção de Tóquio. A segunda detenção no Japão durou cerca de três semanas. O executivo ficou posteriormente oito meses em prisão domiciliar até fugir do país em direção ao Líbano, em 29 de dezembro.

 

“Agora, na véspera do dia em que ele falará livremente pela primeira vez, eles expediram uma ordem de prisão para sua mulher, Carole Ghosn. Nove meses atrás, Carole Ghosn foi de forma voluntária ao Japão para responder perguntas dos promotores e não havia nenhuma acusação conta ela”, diz nota.

 

O mandado contra Carole deve ter pouco efeito prático, assim como o pedido de extradição pelo governo japonês e o alerta da Interpol sobre o executivo. O governo libanês não tem acordo de extradição com o Japão. Além disso, Beirute tem oferecido apoio aberto aos Ghosns. (O Estado de S. Paulo/Fernando Scheller)