O Estado de S. Paulo
Saindo da crise, as montadoras devem produzir 3,16 milhões de veículos em 2020, superando ligeiramente o total fabricado em 2014, último ano antes da recessão. Naquele ano a produção chegou a 3,15 milhões de automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus. A previsão é da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). O cálculo é combinado com a expectativa de crescimento econômico de 2,5%, número muito próximo daqueles indicados pelo governo, instituições financeiras e consultorias. No ano passado a produção automobilística foi a maior em cinco anos. Chegou a 2,94 milhões de unidades, acumulando expansão de 2,3% em relação ao ano anterior.
O crescimento de 7,3% estimado para 2020 dependerá exclusivamente, ou quase, do mercado interno. O principal importador de veículos e tratores fabricados no Brasil, a Argentina, deverá continuar com a economia estagnada, segundo todas as previsões. Desde 2018 as vendas externas estão em queda. Em 2019 foram exportadas 428,2 mil unidades, número 31,9% menor que o do ano anterior. Novo recuo, desta vez de 11%, é esperado em 2020, segundo o presidente da Anfavea, Luiz Carlos Moraes.
A dependência do mercado argentino é uma bem conhecida característica do setor automobilístico brasileiro. As exportações para outros mercados, em geral da América do Sul, são insuficientes para sustentar um fluxo razoável de vendas externas. Essa dependência se consolidou neste século, com o acordo automotivo entre os dois maiores sócios do Mercosul.
Não há notícias, no entanto, de planos para diversificação de mercados, pelo menos em proporção significativa, isto é, suficiente para reduzir de forma sensível a dependência em relação às compras argentinas.
A saída imediata mencionada pelo presidente da Anfavea é tornar mais dinâmico o comércio interno de veículos. Também no Brasil o quadro é insatisfatório. Em 2019 as vendas a compradores nacionais foram 8,6% maiores que as de 2018, mas dependeram principalmente de pessoas jurídicas, como locadoras, produtores agropecuários e frotistas. Esses clientes negociam diretamente com as montadoras, em condições mais vantajosas que as dos demais compradores. Para mudar o quadro, as empresas devem propor ao governo, como parte da reforma tributária, uma redução dos impostos incidentes sobre o crédito direto ao consumidor, disse o presidente da Anfavea.
Qualquer vendedor tem o direito de pleitear menor tributação sobre o crédito ao consumidor, assim como o governo tem o direito – e o dever – de levar em conta a sua conveniência financeira. A redução de um encargo tributário sobre o financiamento ao consumo está muito longe de constituir, no entanto, uma solução para as limitações da indústria automobilística. O presidente da Anfavea deve saber disso.
Produtividade, inovação e competitividade são itens muito mais importantes para o crescimento e o vigor de qualquer indústria. Esse tem sido o caso em países mais dinâmicos. Deveria ser o caso também no Brasil, onde vários segmentos industriais foram beneficiados, durante anos, por facilidades fiscais e – no caso das montadoras – por incentivos à modernização e à inovação.
Algum ganho de produtividade tem certamente ocorrido, porque o emprego nas montadoras continuou a cair depois de superada a recessão e iniciada a recuperação. Em dezembro as montadoras tinham 125,6 mil empregados. Um ano antes, 130,5 mil. O contingente do fim de 2019 foi menor que o de qualquer mês a partir de 2014. Naquele ano, 144,5 mil pessoas trabalhavam nas fábricas de veículos e tratores. Em janeiro de 2014 eram 156,7 mil.
Os números são claros e confirmam: houve ganho de eficiência e graças a isso a produção voltou a crescer. Quanto mais seria necessário, no entanto, para as empresas do setor se arriscarem numa competição mais aberta e mais diversificada? De respostas claras e práticas a questões como essa dependerão o vigor e a duração do crescimento geral da economia nos próximos anos. (O Estado de S. Paulo)