Jornal Correio
O presidente da Ford América do Sul, Lyle Watters, se reuniu nessa segunda-feira (2) com cerca de 500 funcionários e fornecedores da Ford de Camaçari. No encontro, falou da necessidade urgente de reduzir custos em várias áreas da empresa e, assim, garantir maior competitividade da unidade. A mensagem dura foi acompanhada de uma outra bem mais animadora: se a lição de casa for feita, a montadora irá iniciar, em breve, um novo ciclo de investimentos na Bahia.
Em entrevista exclusiva ao CORREIO, Watters se mostrou otimista com os negócios da companhia no país. “Se esses ajustes forem feitos, eu vejo um futuro brilhante para esta planta”, afirmou o executivo.
O senhor esteve em Camaçari para uma importante reunião com empregados, fornecedores, sistemistas e representantes da comissão de fábrica. Que mensagem veio transmitir?
Nós temos aqui em Camaçari pessoas incríveis. Mas nós temos um problema muito grande: a nossa base de custos não é competitiva no longo prazo. Decisões e medidas urgentes precisam ser tomadas. Vim a Camaçari para falar também sobre a possibilidade de um novo ciclo de investimentos aqui. Minha intenção foi fazer isso olhando nos olhos de todos. Desta forma, todos os envolvidos – funcionários, fornecedores, representantes de sindicatos e gerentes – ouvem a mesma mensagem ao mesmo tempo. É muito interessante e animador ter esta oportunidade. Por outro lado, é uma mensagem difícil. A minha mensagem principal é a seguinte: estou determinado a tomar todas as medidas necessárias para ajustar os negócios da empresa na América do Sul, e daí colocá-la num caminho que seja viável, que seja saudável no futuro. Caso contrário, as consequências são realmente muito significativas em termos de novos investimentos.
De imediato, o que é preciso ser feito para aumentar a competitividade da planta da Ford em Camaçari?
Temos grandes desafios de custos aqui. É preciso fazer uma reestruturação de custos com mão de obra. Na área de engenharia, tem a questão logística, a necessidade de aumentar a produtividade da unidade. Vamos trabalhar em conjuntos com fornecedores e funcionários para fazer isto acontecer. O lado bom é que se nós conseguirmos fazer estas melhorias em Camaçari eu vejo um futuro brilhante para esta planta. Foi aqui que o projeto Amazon nasceu. Aqui há muita criatividade e eu consigo perceber a garra das pessoas, o desejo de vencer. Porém, precisamos de mais que isso, precisamos fazer acontecer esta reestruturação.
Existe algum prazo para que este processo de redução de custos aconteça? E quando seriam anunciados os novos investimentos?
A primeira coisa que a gente precisa é desse compromisso com a redução de custos, que precisa acontecer muito rapidamente. Daí, na sequência, a gente consegue as aprovações dos investimentos para os novos produtos. Acho que é possível que isto [reestruturação dos custos] aconteça em algumas semanas. Se isso acontecer, aí, então, no meio do ano que vem estaremos prontos para este novo ciclo de investimentos.
O que significa este novo ciclo de investimentos?
Seria a utilização plena da fábrica de Camaçari. Não estamos falando do lançamento de um produto só. Seria mais de um. Alguma coisa que tenha um design lindo e uma conectividade excelente. Nós temos no papel um plano incrível. Um novo portfólio de produtos que pode ocupar esta planta, que eu tenho certeza que os nossos clientes vão adorar, e eu serei o maior defensor da Ford no Brasil, da Ford em Camaçari. Mas, para isso, precisamos ser mais competitivos. No primeiro trimestre do ano que vem eu estarei muito ativo nas minhas conversas e discussões com Detroit [matriz da Ford] a respeito de futuros investimentos.
O senhor poderia dar exemplo do impacto dos custos de produção na unidade baiana em relação ao estado de São Paulo?
Eu sei que existem incentivos fiscais para a produção aqui em Camaçari, eu sei bem disso, mas quando você pensa na montagem de um carro aqui, em Camaçari, é bom lembrar que 80% dos consumidores desses produtos estão em São Paulo, 60% dos fornecedores para esta produção estão também lá em São Paulo. Se a gente pensar na distância média, lá em São Paulo são 180 km da fábrica até o principal centro de consumo. De Camaçari, são 2.500 km. O custo de frete logístico de um fornecedor para Camaçari é 150% mais alto do que para São Paulo. Outro exemplo: o custo de uma tonelada de aço da Usiminas para São Paulo é de US$ 150 (R$ 632), para o estado da Bahia, esta despesa dobra (US$ 300).
E em relação à mão de obra?
Eu sei que este é um assunto sensível, mas que precisa ser dito. Só para citar um exemplo: o valor da participação nos lucros de um funcionário da planta de Camaçari é 33% mais alto do que a média do país. Os funcionários de fornecedores conseguiram este benefício no mesmo nível dos colaboradores da Ford. Para os empregados dos fornecedores, a divisão de lucro é 350% mais elevado do que a média dos outros fornecedores localizados no restante do país. Outro dado: a média deste bônus anual no país é de R$ 4 mil. Os fornecedores que estão dentro da fábrica de Camaçari pagam R$ 19 mil e que os estão no entorno, R$ 13 mil.
E as concorrentes da Ford?
As outras montadoras instaladas no Brasil pagam, em média, R$ 14 mil de PLR. Nosso último pagamento foi de R$ 19,6 mil. Uma coisa muito importante e que eu faço questão de enfatizar: eu quero que os meus funcionários e os funcionários de nossos fornecedores tenham um bom padrão de vida. Eu sei que isto é importante, e é importante para mim que seja assim. É assim que a gente cria um mundo melhor para os nossos clientes e funcionários. Mas eu deixaria de cumprir as minhas funções, deixaria de fazer o meu trabalho, se eu não tratasse destas questões tão fundamentais. A sobrevivência do negócio no longo prazo passa pela necessidade de ser sustentável.
Na questão logística, o que pode ser melhorado?
Vou dar um exemplo em relação ao frete, que é um elemento muito significativo. Ele basicamente se dá hoje pelo modo rodoviário, que é muito ineficiente. A gente tem rede ferroviária a três quilômetros de distância da fábrica. Este é um foco: trabalhar com os fornecedores para que a gente possa otimizar a utilização da via ferroviária. Em relação à engenharia é importante pensar como é possível reutilizar as instalações existentes, os investimentos existentes, e a gente está falando de bilhões de dólares para novos projetos. O lado bom disso é que hoje a gente na América do Sul tem uma autonomia que jamais teve antes.
Este processo de elevar a competitividade da unidade também passa pela atração de novos fornecedores?
Certamente precisamos de novos fornecedores locais e eles virão para cá quando formos mais competitivos. Já há conversas para a atração de novas empresas. Essas discussões já existem, e estamos em diálogo com estas partes.
A Ford tem acumulado, nos últimos anos, prejuízos em suas operações na América do Sul. O que tem sido feito para estancar essas perdas?
Assumi a presidência da Ford na América do Sul em 2016. Naquele ano. as perdas somaram US$ 1,2 bilhão. No ano passado, tivemos perdas de US$ 680 milhões na região. Este ano estamos caminhando para ficar mais ou menos igual a 2018. Estamos trabalhando muito na reestruturação dos nossos negócios na região. Nós tivemos que tomar a dolorosa decisão de encerrar nossas operações com caminhões pesados em São Bernardo do Campo (SP). Nós também saímos das linhas de veículos que nós não conseguíamos enxergar que tivesse um futuro economicamente viável, como é o caso do Fiesta e do Focus. Na Venezuela, a fábrica está parada por falta de demanda. Nós agora estamos trabalhando no projeto de modernização do campo de provas de Tatuí (SP) para que também possa ser mais competitivo e ágil.
E como compatibilizar essas perdas com novos investimentos na região?
O volume de investimentos de uma empresa global como a Ford cresceu brutalmente com as novas tecnologias. Este volume de capital gigante que se demanda agora não tem como se compatibilizar isso, fazer esses investimentos, com esse nível de perdas que nós temos na região. É uma questão de viabilidade econômica do negócio. Ou seja, se nós queremos crescer, ter produtos, um novo ciclo de investimentos, obviamente que eles têm que ser algo que gere recursos, contribuindo para este investimento, e não drene esse capital. Enfatizando: nós temos questões aqui de competitividade que precisamos resolver.
Até que ponto a instabilidade política em vários países da América do Sul interfere nos negócios da Ford?
A América do Sul é uma região muito volátil. O Brasil está se estabilizando, saindo agora da pior recessão que se tem notícia, mas está saindo mais lentamente do que se imaginava. Na Argentina, o mercado de veículos que era de um milhão de unidade por ano, caiu para 350 mil. Sobre o Chile, Equador, Colômbia e Venezuela não preciso nem falar. É uma região volátil e, por conta disso, o capital é mais caro. Falando do capital vindo de Detroit, o nosso planejamento precisa considerar esta volatilidade e precisa que essa base de custos seja competitiva, sustentável, ao longo deste ciclo, incluindo o fator volatilidade. Ou seja, a redução de custo de nossas operações nesta região tem que ser maior.
Esta reestruturação também foi feita em outras regiões do mundo?
Sim. Ações de reestruturação foram feitas em cinco ou seis plantas na Europa. No ano passado, houve um corte de 10% no número de funcionários, reestruturação das gerências com o corte de 10%, e isto trouxe uma redução de gastos de US$ 600 milhões. E esta reestruturação não se limita só a cortes de pessoal. Há toda uma forma de repensar o trabalho, o que deve ser interrompido, onde nós conseguimos eliminar burocracia. É importante que as pessoas entendam por que estamos fazendo isto agora. Não existem recursos ilimitados, intermináveis nas empresas, e todas as partes do negócio estão competindo atrás deste capital. E para você conseguir esses recursos, precisa mostrar que está firme, forte, ajustado e competitivo. O que a gente está fazendo é trabalhar firmemente na reestruturação da empresa para que ela possa ser mais enxuta, ajustada e, assim, ser mais competitiva e ágil no futuro. Estamos trabalhando e avançando em parcerias que façam sentido.
Como vê o momento da indústria automobilística no mundo?
O cenário global está mudando e é geral. Não falo apenas sobre o setor automotivo. As empresas vão precisar compreender profundamente quais são os fatores que estão determinando essas mudanças para que elas possam então agir e sobreviver no futuro. Eu digo isto porque no setor automotivo, entre os próximos 5 e 10 anos, nós vamos testemunhar mais mudanças do que ocorreram até hoje desde que Henry Ford inventou a produção em larga escala. Estas grandes mudanças que eu mencionei irão ocorrer em várias frentes, como, por exemplo, a eletrificação de veículos, veículos autônomos, conectividade dos automóveis e mudanças nas próprias cidades. O cenário da nossa concorrência também mudou muito. Hoje, além das outras montadoras, nossos concorrentes são empresas que atuam nas áreas de eletrificação, de direção autônoma, de conectividade, etc. (Jornal Correio)