Banco Central faz dois leilões e avisa que pode voltar a intervir hoje

O Estado de S. Paulo 

 

A disparada do dólar, que beirou R$ 4,28 ontem, o maior nível desde a criação do real, e fechou cotado a R$ 4,24, depois de duas intervenções do Banco Central, deve ter impacto no dia a dia do brasileiro. Preços importantes, como da gasolina e do diesel, devem subir, a viagem internacional de férias de fim de ano pode não passar de um sonho e até a condução da política monetária corre risco de mudar, com o BC interrompendo o ciclo de corte de juros básicos em 2020, dizem economistas.

 

O estopim da alta ocorreu na segunda-feira, quando o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse em Washington, que “é bom o mercado se acostumar com o câmbio mais alto por um bom tempo”. Ele afirmou que o dólar em patamar mais alto é reflexo de uma nova política econômica, que tem juro de equilíbrio mais baixo e câmbio neutro mais alto. Ontem, ainda em Washington, Guedes mudou o discurso. Disse que a composição da política econômica é “política fiscal apertada e monetária frouxa”.

 

O comentário de segunda-feira do ministro soou ao mercado como uma indicação de que não há preocupação com o atual patamar de câmbio. Mas ontem o BC atuou para segurar o dólar.

 

Após o primeiro leilão pela manhã, o dólar que estava perto de R$ 4,27, recuou para R$ 4,24, mas voltou a subir para R$ 4,27. No meio da tarde, o BC teve de fazer um novo leilão e o dólar se acomodou um pouco. Fechou o dia em R$ 4,24, com valorização de 0,61%. O presidente do BC, Roberto Campos Neto, avisou que o banco pode voltar a intervir no mercado hoje. “Se o BC entender que há um movimento disfuncional e que há gap de liquidez, voltaremos a fazer intervenção. Mas essas intervenções apenas atenuam o movimento de curto prazo.”

 

A alta do câmbio manteve a Bolsa pressionada atingindo a 107.059,40 pontos, com queda de 1,26% ante a véspera.

 

Fatores

 

Não é de hoje que a cotação do câmbio anda pressionada. “O dólar lá fora está muito forte ante o euro, a libra esterlina e outras moedas”, diz Armando Castelar, coordenador de Economia Aplicada do FGV-Ibre. Ele aponta vários fatores externos, como o crescimento da economia dos EUA acima da média de outros países, a guerra comercial entre China e EUA e a maior remuneração paga pela Bolsa americana. “Isso explica porque o dólar foi de R$ 3,5 para mais de R$ 4”, diz, acrescentando que o quadro é comum aos emergentes.

 

Mas há fatores peculiares do País, como os juros na mínima histórica, ressalta o economista Gesner Oliveira, professor da FGV-SP e sócio da GO Associados. “O juro em baixa atrai menos capital de curtíssimo prazo, porque o diferencial de taxas hoje é menor.” Ele lembra também que há uma contração no comércio internacional que prejudicou o saldo comercial.

 

Juro na mínima histórica no Brasil tem feito as empresas trocarem financiamentos externos pelos domésticos, que são mais baratos, diz o economista Antonio Madeira, da MCM. As companhias compram dólares internamente, o que eleva a cotação, e enviam os recursos ao exterior para quitar dívidas.

 

Castelar acrescenta a esse fluxo financeiro a saída de capital estrangeiro da Bolsa. “Eles estão tirando o dinheiro porque o crescimento da economia não veio no ritmo esperado e há preocupação com os movimentos políticos na América Latina.”

 

Selic

 

Apesar da inflação bem comportada, economistas acham que a escalada do câmbio deve reduzir a continuidade de cortes nos juros pelo BC em 2020. Castelar pondera que o câmbio não tem impacto na inflação como no passado, mas tira um pouco do conforto do BC para cortar juros. Mesmo assim, acredita que o corte de 0,5 ponto porcentual sinalizado para dezembro será mantido.

 

Gesner diz que o ciclo de queda dos juros está chegando ao fim, mas acha que, com o avanço do câmbio, o BC deve esperar para ver a reação da economia antes de prosseguir nos cortes em 2020. (O Estado de S. Paulo/Márcia de Chiara, Beatriz Bulla, Ricardo Leopoldo, Karla Spotorno, Fabrício Castro r Eduardo Rodrigues)