Montadora catarinense vai dos sonhos às dívidas

ND Mais

 

O sonho: a primeira montadora de automóveis catarinense com capital 100% nacional, produzindo um veículo 4×4, o Stark, projeto totalmente desenvolvido no Estado para competir com o líder da categoria, o Troller, montado pela Ford. O ano era 2005.

 

Ambicioso, o projeto conquistou apoios e virou a empresa Tecnologia Automotiva Catarinense, a TAC Motors.

 

A motivação pelo ineditismo na ideia atraiu o apoio institucional da Fiesc (Federação das Indústrias de Santa Catarina), conquistou acionistas e investimento do governo do Estado, via SCPar (SC-Parcerias S.A.), a partir de 2006. Joinville sediou o início da produção no Perini Business Park. O plano era faturar R$ 95 milhões até o quinto ano de atividades. Expectativas gigantes.

 

A realidade: em 2011, a TAC Motors anunciou que buscava outros ares para desenvolver o projeto. Em 2012, os acionistas decidiram, em assembleia, transferir a fábrica para Sobral, no Ceará. Neimar Braga, o presidente executivo da empresa já à época informava, via imprensa, que a mudança visava mais competitividade, com menos carga tributária existente naquele Estado. Além disso, lá era o berço da concorrente principal.

 

Os números: fabricar 3 mil unidades/ano na nova fábrica, R$ 200 milhões em investimentos. Até hoje, segundo informações de Braga, foram produzidos apenas 250 veículos Stark. Acionistas minoritários reclamam do sumiço da fábrica, da falta de informações.

 

Santa Catarina quer saber quando será ressarcida dos milhões investidos, hoje avaliados em cerca de R$ 11,5 milhões. O governo do Ceará não se manifestou sobre o assunto, apesar da Secretaria da Casa Civil ter se comprometido em enviar informações.

 

Governo encerra negociação e recorre à Justiça

 

Questionada sobre o que já foi feito pela SCPar em relação ao ressarcimento dos valores aos cofres públicos, a empresa se manifestou, via assessoria do gabinete da presidência. Explicou que os investimentos na TAC Motors foram realizados a partir de setembro de 2006 até outubro de 2009, havendo um prazo mínimo de 48 meses para que a SCPar pudesse exigir seu ressarcimento.

 

Informa também que, a partir de outubro de 2013, iniciaram negociações entre as partes para que a SCPar fosse ressarcida e que a TAC alegava dificuldades financeiras para o pagamento imediato, solicitando o parcelamento do débito. A SCPar, então, pediu reforço nas garantias contratuais, com alteração de garantias, troca de fiadores, entre outras condições.

 

A SCPar afirmou que, em meados de 2017, decidiu encerrar as negociações e ajuizar ações judiciais contra a TAC Motors, com o intuito de reaver o investimento realizado.

 

As ações judiciais são os processos nº 0300333-34.2018.8.24.0023 e nº 0300344-63.2018.8.24.0023, ambos em trâmite na 3ª Vara Cível da Comarca da Capital e ainda sem decisão definitiva (pendentes de recursos). O valor dos investimentos a recuperar nesses processos são de R$ 7.689.681,52 e R$ 2.454.615,49, respectivamente (valor em dezembro de 2017, data de ajuizamento da ação).

 

Ficha técnica

 

– Carroceria: 3 portas / 4 passageiros, tipo Jipe, utilitário

– Suspensão: independente nas 4 rodas / Braços duplo A

– Câmbio: Eaton FSO 2405 mecânico, 5 marchas sincronizadas

– Tração: BorgWarner – 4×2 / 4×4 / 4×4 com reduzida – 4×2 / Eixo motriz traseiro

– Embreagem: Monodisco, a seco, com acionamento hidráulico

– Diferenciais: Dana 44.3 com bloqueio traseiro

– Relação Transmissão: 1ª – 4,473:1 / 2ª – 2,289:1 / 3ª – 1,376:1 / 4ª – 1:1 / 5ª – 1: 0,725 / Re – 3,795:1

– Freios: Hidráulicos, discos ventilados nas 4 rodas

– Direção: Hidráulica, tipo pinhão e cremalheira

– Peso: 1.710 Kg

– Tanque de combustível: 70 litros

– Motor: 2.3L 16V Turbo Diesel Intercooler – 4 cilindros, modelo S23WG LD

– Fabricante: FPT – FIAT Powertrain Technologies

– Combustível e tecnologia: Diesel, injeção direta common-rail, controle eletrônico

– Potência: 127cv a 3.600 rpm (93,5 kW)

– Cilindrada: 2.287 cm³

– Torque: 320 Nm a 1.800 rpm

– Comprimento: 4.083 mm

– Largura: 1.884 mm

 

Tribunal de Contas cobra explicações

 

O investimento feito com o dinheiro do contribuinte catarinense na TAC Motors está entre os temas em auditoria. Segundo a assessoria de imprensa do órgão fiscalizador, trata-se do processo RLA 17/00809439, uma auditoria realizada na SCPar (SC Participações e Parcerias S.A.), com o objetivo de analisar a legalidade, legitimidade e economicidade das despesas realizadas nos exercícios de 2016 e de 2017.

 

Após análise inicial pela área técnica do TCE /SC (Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina), o conselheiro relator Luiz Eduardo Cherem, determinou, em junho deste ano, a manifestação dos responsáveis (Paulo Cesar da Costa, Ênio Andrade Branco, Gerson Pedro Berti e Ivo Carminati).

 

Todos encaminharam suas. Após a finalização do relatório técnico, o processo será encaminhado ao Ministério Público de Contas que elaborará o seu parecer.

 

Projeto ajudaria a fomentar a indústria de autopeças

 

O empresário Mario Cezar de Aguiar é o presidente da Federação das Indústrias de SC e é um dos acionistas da TAC Motors desde o início. “Fui e sou acionista da TAC. Aderi na condição de subscritor de capital, por julgá-la de interesse para a economia industrial catarinense e também por vislumbrar uma oportunidade de investimento, num produto de nicho”, explica. A Fiesc foi a principal incentivadora do projeto.

 

À época, o presidente da entidade era José Fernando Xavier Faraco, que também é um dos grandes acionistas e presidente do Conselho da TAC. Aguiar explica que o apoio da entidade aconteceu no mesmo momento em que nascia o programa automotivo catarinense e ele, Faraco, era presidente da Fiesc. “A iniciativa decorreu da constatação de que a indústria catarinense voltada às autopeças era expressiva, mas a margem de contribuição era relativamente baixa. Nossa indústria ficava à mercê do poder organizado das montadoras. Por isso, a Fiesc decidiu criar o programa que resultou numa montadora catarinense como um projeto próprio.”

 

O empresário chegou a participar do Conselho de Administração da TAC, mas não no momento em que foi tomada a decisão da transferência para o Ceará. Aguiar defende a participação da SCPar no projeto do Stark, como instituição voltada ao fomento da economia de SC. “Foi um aporte de capital com garantia de ações da empresa”, destaca. A Fiesc apoiou o projeto institucionalmente. “É o que lhe cabe como entidade de representação industrial.” O empresário a acreditar no projeto da TAC Motors. “Nunca procurei me desfazer das ações que possuo da TAC.”

 

Investidor decepcionado

 

O empresário Ely Diniz, presidente da EDM Logos Comunicação e do Instituto Festival de Dança de Joinville, revela decepção e deseja desvendar o “mistério” do sumiço da fábrica, que era sediada na maior cidade catarinense. “Participei desde o início, quando era somente uma ideia. Depois, com o desenvolvimento do projeto, minha agência ajudou a divulgar o Stark, a buscar acionistas. Inclusive sou acionista.” Ele tem o carro número 8, produzido em 2010, até hoje. Diniz critica o que aconteceu logo no início da produção da fábrica. “Este é o único caso que conheço de uma fábrica de automóveis que sumiu. Há anos que eu e outros acionistas tentamos, de todas as formas, encontrar a montadora, mas não temos mais informações. Não sabemos se o veículo continua a ser fabricado, o endereço da empresa em Sobral, nada”, ressalta. “Contando dinheiro investido e serviços não pagos, perdi entre R$ 100 a R$ 150 mil”, calcula o empresário.

 

Após uma busca intensa, o ND conseguiu contato com o presidente executivo da TAC Motors. Por WhatsApp e respostas por e-mail, Neimar Braga buscou dar credibilidade ao projeto que encabeça como administrador e prevê boas novas para 2020.

 

Qual a atual situação da TAC Motors e da produção do Stark?

Após a crise que atravessamos nos últimos anos, estamos otimistas para a continuidade e desenvolvimento do projeto a partir do próximo ano. Nestes últimos anos, produzimos somente por encomenda, em função da nossa característica de customização carro a carro, da especificidade do mercado off-road, das dificuldades inerentes a uma montadora de nicho. Produzimos 250 unidades, sendo 150 em SC e 100 no Nordeste. Estes veículos foram destinados, principalmente, a clientes do nicho off-road, através do clube Stark. Vide site www.novostark.com.br. Temos previsão para 100 funcionários em 2020. (Atualmente, tem 18 trabalhadores).

 

Por que a decisão de deixar SC após o aporte do governo do Estado?

A decisão ocorreu muito depois da entrada da SCPar no capital da TAC e pautou-se pela busca de reequilíbrio fiscal. Uma decisão empresarial consciente e equilibrada. Veja: a TAC tem um concorrente forte justamente no Ceará, o Troller, da Ford. Este veículo goza de incentivos tributários no plano dos tributos federais, estaduais e municipais. Praticamente não recolhe tributos. A época, tentamos mostrar esta situação de brutal desigualdade aos governadores Luiz Henrique e, novamente, ao governador eleito Raimundo Colombo. Esclarecemos a eles, com prova documental, que éramos competitivos tecnologicamente e que podíamos concorrer com o veículo Troller, mas jamais com o Estado do Ceará. Santa Catarina não pôde nos atender; na sequência, buscamos, inicialmente, a alternativa Manaus. A ida para o Ceará ocorreu mais tarde, porque o Estado comprometeu-se, via contrato, em dar as condições da concorrente e expressivo aporte como acionista. Mas não cumpriu o pactuado e passamos a ter dificuldades. No entanto, sempre se manteve em SC a parte tecnológica e de desenvolvimento.

 

Como está o ressarcimento à SC Par?

A intenção é retomar as negociações. Ano passado, estivemos bem próximos de um acordo. Com a proximidade das mudanças de governo, as definições ficaram para este ano. Temos uma parceira de primeira classe com o Governo e a gestão atual da SCPar. As negociações devem se concretizar nestes próximos meses.

 

Como ficaram os acionistas da empresa?

Os acionistas da TAC permanecem com suas ações, num processo normal de uma S.A. de capital fechado. O grupo de acionistas majoritários mantém o controle da empresa e preza pela preservação do seu projeto. É possível que algum sócio minoritário possa ter lacunas na informação, mas, se ocorre, é exceção. O Conselho de Administração da TAC é presidido por Jose Fernando Xavier Faraco.

 

Há concessionarias ou rede de assistência?

Nossa estratégia é venda e atendimento pelo Clube Stark. Com sede em Belo Horizonte, temos atendimento direto da fábrica aos nossos consumidores. Conseguimos um atendimento exclusivo: cliente a cliente, via Clube Stark. Nossos clientes fazem parte do clube e o vinculo é via as redes sociais.

 

Por que não se concretizou a venda para os chineses?

Temos expectativa do ingresso de novos acionistas. A não efetivação decorreu de fatores ligados a política macroeconômica e instabilidade política que ocorreu naquele momento. Hoje, a empresa tem 90 acionistas minoritários e 15 majoritários.

 

Quais as perspectivas?

Quanto ao futuro, estamos otimistas; temos o ingresso de novos acionistas e, em breve, devemos retomar com mais volume de produção e outras estratégias comerciais, bem como a relocação das unidades de venda. (ND Mais/Salvador Neto)