O Estado de S. Paulo
A maior parte das indenizações pagas pelo seguro DPVAT, extinto anteontem, envolve motociclistas – são, em média, 250 mil dos 460 mil pagamentos anuais. Como justificativa para o fim da cobrança, em 2020, o governo alega fraudes, custo de fiscalização e o fato de o SUS suprir o serviço. Especialistas negam e dizem que a medida atingirá os mais pobres.
Nos últimos dez anos, uma média de 460 mil vítimas ou parentes de pessoas mortas em acidentes de trânsito puderam contar com o pagamento do Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre (DPVAT) por ano. A maior parte desse total, 250 mil, foi de motociclistas que se acidentaram e ficaram inválidos, com sequelas permanentes que os impedem de trabalhar.
O benefício foi extinto anteontem por uma medida provisória publicada pelo presidente Jair Bolsonaro e continua a valer apenas até 31 de dezembro. Ele consistia em um pagamento garantido a toda pessoa que se envolvesse em um acidente de trânsito dentro do território nacional causado por veículo registrado no País.
Eram três tipos de indenização: por morte (para parentes) ou por invalidez permanente (para a vítima), além de uma indenização de despesas médicas. Nos dois primeiros casos, a apólice era de R$ 13,5 mil e, no terceiro, de até R$ 2,7 mil. De 2009 a 2018, 3,27 milhões de pessoas que ficaram sem poder trabalhar depois de acidente receberam as apólices.
Além dos pagamentos de apólices, o seguro obrigatório também ajudou no financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Departamento Nacional do Trânsito (Denatran) com cerca de R$ 37 bilhões, entre os anos de 2008 e 2018, segundo dados da Seguradora Líder, que gerenciava os pagamentos. Esses custos agora serão assumidos pela União.
Vítima
Em dezembro de 2018, o promotor de vendas Jéferson Martins de Oliveira, de 23 anos, sofreu um acidente de moto que mudou sua vida. Estava voltando do trabalho, quando colidiu com um carro na rodovia MG-404, em Taiobeiras, no norte de Minas. “Tive fraturas expostas do lado esquerdo, levando à desarticulação do joelho esquerdo e do ombro. Perdi muito sangue, meu tornozelo direito desarticulou porque foi necrosando.” O pagamento o ajudou a comprar itens para a sua reabilitação, que ainda está longe do fim. “Cadeira de rodas, de banho e medicamentos.”
Os argumentos do governo federal para a extinção do DPVAT incluem fraudes detectadas no sistema, custo de regulação e serviço semelhante ao do SUS. O diretor da Superintendência de Seguros Privados (Susep), Rafael Scherre, afirma que a medida supre demanda do Tribunal de Contas da União (TCU). “O número do repasse de 2019 (para o SUS) é de R$ 965 milhões e a tendência era de diminuição.” Ainda segundo ele, “o SUS não vai perder recursos”.
Considerando o novo cenário, o advogado especialista em Direito do Trânsito Maurício Januzzi afirma que, agora, se a pessoa se ferir no trânsito, terá de processar ela mesma o responsável pelo acidente. “Pode procurar a Defensoria”, observa, se não tiver um advogado.
Especialistas da área argumentam que a medida atingirá justamente a população de menor renda e, em especial, motociclistas que ficaram inválidos após um acidente.
“É um dinheiro para compensar uma família destroçada psicologicamente e financeiramente. É para pagar as necessidades básicas emergenciais quando uma pessoa deixa de produzir por estar machucada. Não é um seguro de saúde ou
aposentadoria”, afirma o engenheiro e mestre em transportes pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (PoliUSP), Sergio Ejzenberg.
“O Brasil todo é sabedor do número de fraudes no DPVAT”, afirma a presidente da Associação Nacional de Detrans, Larissa Abdalla Britto. “A AND e os Detrans alertaram isso.” Mas ela ressalta que “o DPVAT é um seguro obrigatório que atinge aquelas pessoas que não têm condições de fazer um”.
Sem dados
Larissa lembra ainda que o País não tem sistema integrado de coleta de dados de acidentes de trânsito. Os dados nacionais eram coletados pelos pagamentos do DPVAT. Sem ele, não haverá informações de abrangência nacional. (O Estado de S. Paulo/Bruno Ribeiro, Paula Felix e Renata Okumura)