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O veículo do futuro será elétrico, autônomo e totalmente conectado. Essa tem sido a promessa frequente das montadoras e, apesar dos avanços inegáveis neste sentido, os desafios de ganho de escala ainda são enormes. Para caminhões e ônibus, por exemplo, não só o alto custo de desenvolvimento das novas tecnologias é um desafio: a transição para o veículo do futuro também se mostra uma grande incógnita.
“A tecnologia dos veículos elétricos é muito antiga, porém, o alto custo das baterias no segmento de pesados e a falta de infraestrutura para garantir a recarga tornam a virada da combustão para a eletrificação uma tarefa difícil neste momento”, afirma Mathias Carlbaum, vice-presidente global das operações comerciais da Scania.
Acontece nesta semana, em São Paulo, a Fenatran, maior feira de transportes da América Latina. Montadoras, sistemistas, fabricantes de autopeças e prestadores de serviços mostram suas novidades e, para 2019, a expectativa dos organizadores é que os negócios atinjam 40 bilhões de reais. “Grande parte do PIB brasileiro passa pela Fenatran”, dizem os expositores.
O tom da feira, neste ano, está definitivamente voltado para as tecnologias de propulsão do futuro e alternativas ao tradicional motor a combustão. Mas para chegar a tão sonhada eletrificação o caminho será longo.
“Combustíveis alternativos e renováveis vão ter um papel muito importante na transição para o elétrico. Mas o caminhão a diesel não vai acabar e não haverá apenas uma solução. Quem vai escolher é o cliente”, pondera Philipp Schiemer, presidente da Mercedes-Benz do Brasil e CEO América Latina.
Segundo o executivo, a transição rumo à eletrificação vai demorar um tempo considerável, diante da necessidade de investimentos vultosos tanto por parte da indústria quanto do poder público para garantir infraestrutura aos novos veículos. “Hoje, a tecnologia do elétrico ainda é muito cara, e um caminhão é comprado para ganhar dinheiro. Qualquer aumento de custo atrapalha a decisão de compra”.
Para Carlbaum, da Scania, a transição dos combustíveis fósseis para o elétrico vai demorar não só por aqui, como no mundo todo. “Porém, o Brasil tem a vantagem de ser uma potência global em combustíveis alternativos, com uma diversificação na matriz energética favorável para essa transição”.
Segundo ele, o motor movido a biometano (gás gerado por matéria orgânica do lixo) já é uma realidade na Scania e deverá ajudar a indústria na transição rumo à eletrificação. Na Fenatran, a marca também está expondo motores de combustão interna a gás, que podem ser usados com gás natural e biogás, e cujas vendas crescem 40% neste ano, no país.
De acordo com Luiz Carlos Moraes, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), hoje um importante desafio para as montadoras é atender ao crescimento exponencial do mercado de entregas urbanas – com o avanço do comércio eletrônico – e também às legislações de emissões de poluentes nos diferentes países.
“Todas as montadoras estão investindo pesado para entregar caminhões mais limpos e adequados para cada aplicação e a expansão do e-commerce demandará muitas soluções da indústria”, diz Moraes.
Onde faz sentido
Justamente de olho na expansão dessa demanda, a Volkswagen Caminhões e Ônibus, subsidiária do grupo alemão Traton, será a primeira montadora a produzir caminhões elétricos em série no Brasil a partir do final do ano que vem no segmento de urbanos, que têm porte menor. A marca confirmou, nesta semana, os nomes de oito empresas que devem se instalar no entorno do seu complexo fabril em Resende, Rio de Janeiro, para desenvolver o e-Delivery, caminhão urbano 100% elétrico, que será produzido no local.
Entre as empresas do chamado e-Consórcio estão gigantes como Siemens e Bosch, além de fabricantes altamente especializadas como Meritor (eixos), Moura (baterias) e WEG (motores elétricos). “Esse modelo de negócio, que vai do desenvolvimento do produto até o pós-venda, é inédito no mundo, nem a nossa matriz tem”, conta Roberto Cortes, presidente da Volkswagen Caminhões e Ônibus.
O executivo relata que um conjunto de baterias para veículo pesado pode custar um caminhão convencional inteiro. “Por isso, estamos trabalhando com parceiros especializados para equacionar a questão do custo da bateria”, ressalta.
A montadora fechou um acordo para fornecer, até 2023, cerca de 1600 caminhões elétricos para a gigante de bebidas Ambev. Além disso, Cortes destaca que a Volks está conversando com mais de 50 empresas para vender o e-Delivery nos próximos anos.
Ele também informa que a marca está trabalhando para trazer, ao final de 2021, o protótipo do ônibus e-flex híbrido. Um dos motores pode ser alimentado por gasolina, gás ou etanol, que por meio de um gerador alimenta as baterias do outro motor, elétrico.
Inovações
A eletrificação não depende só das montadoras. Mais do que isso, passa cada vez mais pela inovação de gigantes da indústria automotiva global. A fabricante de motores norte-americana Cummins, que tem praticamente um terço do market share do segmento de veículos pesados no Brasil, trouxe à Fenatran algumas alternativas ao modelo a combustão tradicional, como por exemplo o sistema de propulsão a gás.
“O motor a gás tem várias vantagens em relação ao elétrico. É uma tecnologia pronta, testada e muito mais barata”, diz Luis Pasquotto, presidente da Cummins do Brasil.
No entanto, o executivo ressalta que a empresa vem trabalhando para desenvolver diversas opções para o cliente escolher qual se adapta melhor ao seu planejamento. A estratégia pode ser crucial em um cenário de mudança da legislação de emissões no Brasil a partir de 2023, quando todos os caminhões e ônibus terão que se adequar à tecnologia do motor Euro 6, cujos limites de emissões são extremamente mais rígidos do que o atual.
“O motor Euro 6 se aproxima muito do nível zero de emissões de particulados e óxido de nitrogênio. É um grande passo rumo ao elétrico”, garante Pasquotto.
Na área de segurança, uma das novidades anunciadas na Fenatran é o caminhão sem retrovisor externo da Mercedes, que será comercializado a partir de 2020 no Brasil. Trata-se de duas telas de 15 polegadas no interior do veículo, com alta resolução.
A tecnologia promete melhor visibilidade da área ao redor do caminhão. O sistema é opcional e custa cerca de 11 mil reais. “Dependendo do modelo, um caminhão completo, com implemento, pode custar mais de três milhões de reais. Um acidente pode trazer prejuízo substancial para o proprietário”, diz Schiemer.
De série, a montadora também oferece sistemas como o assistente ativo de frenagem, que permite ao caminhão frear sozinho quando identifica pedestres, veículos e obstáculos estáticos e móveis a sua frente. “Além do prejuízo do caminhão, um acidente pode gerar outro custo impagável, que é a vida dos envolvidos”. (Portal Exame/Juliana Estigarribia)