Montadoras “inventam” segmentos e geram polêmica

Jornal do Carro

 

Quer deixar um entusiasta automotivo louco? Diga para ele a expressão: cupê de quatro portas. Para o purista, cupê tem só duas portas. E pronto. Mas a realidade do segmento automotivo não é mais assim. As montadoras estão “inventando”, ou, em uma outra leitura, criando novos segmentos.

 

E esse fenômeno está deixando o purista bastante revoltado! Imagine o que o entusiasta radical vai dizer ao escutar a expressão SUV cupê? Para começo de conversa, eles não consideram SUVs muitos carros que assim são considerados pela maioria das pessoas.

 

Para o purista, tem modelo classificado como SUV que nada mais é do que um crossover. Ah, mas é aí que o cara que se considera autoridade em carro se engana. Um SUV pode ser sim um crossover. Mas modelos de outras categorias de veículos também podem.

 

Crossover é a definição técnica para qualquer carro que tenha combinação de carrocerias. Sabe aquele tal cupê de quatro portas? Na verdade, ele é um crossover sim: tem traços de cupê e de sedã. O Panamera é um crossover.

 

O mundo evolui, então por que as montadoras não passariam a oferecer opções fora dos tradicionais segmentos (hatch, sedã, perua, picape, SUV, cupê…). Claro que iriam: o consumidor quer novidade, e quase toda marca de carros que ousou se deu bem.

 

O público quer um cupê, mas não abre mão de espaço, lugares atrás em que de fato dê para acomodar pessoas e também das quatro portas? Então vem a Mercedes, com o CLS, a solução para esse consumidor.

 

Faz sucesso, e a Porsche logo lança o Panamera. Lembro-me que a Mercedes chamava o CLS de cupê. Já a Porsche define o Panamera como sedã.

 

Nenhum dos dois é uma coisa nem outra. Não há um terceiro volume bem definido, característica principal de um sedã – não é à toa que o sinônimo dessa palavra é três-volumes.

 

E, embora a carroceria seja mais parecida com a de um cupê, há as tais das quatro portas.

 

Independentemente dessa discussão, a concorrência correu atrás. A Audi lançou não apenas um, mas dois modelos do segmento: A5 Sportback e A7 Sportback.

 

Já a Mercedes investiu em novas opções acima e abaixo do CLS. No primeiro caso, o AMG GT de quatro portas. No outro, o CLA, que na segunda geração abandonou o jeitão bem definido de sedã e ganhou jeito de cupê, mantendo as quatro portas.

 

E a Porsche? Seu primeiro elétrico, o Taycan, é totalmente cupê quando visto de trás. Mas aí, na lateral, lá estão elas: as quatro portas. A marca o chama de sedã esportivo.

 

SUVs

 

Os utilitários-esportivos também geram polêmica. Isso porque o conceito “raiz” de modelo do segmento tem alguns elementos obrigatórios, como a tração nas quatro rodas, a resistência, a robustez. Hilux SW4 e Pajero Sport são bons exemplos.

 

Mas aí passaram a surgir SUVs feitos em base de carro de passeio (e até a Land Rover tem diversos modelos assim). Mais: utilitários sem tração 4×4.

 

Eles não seriam apenas hatches ou peruas altas? Para os puristas, são crossovers. Mas já debatemos isso acima: crossover é um conceito que vai além de SUV.

 

Como diferenciar um modelo que o público chama de crossover de SUV de verdade? Se o carro tem tração 4×4, mas é feito sobre base de carro de passeio (todos os Jeep à venda no Brasil, exceto o Wrangler) pode ser chamado de utilitário-esportivo? Ou, para isso, tem de ter construção com carroceria sobre chassi?

 

Montadoras tentam solucionar

 

Diante da polêmica acima, houve algumas montadoras que decidiram lançar carros os classificando como integrantes de segmentos que elas mesmas inventaram. Na maioria dos casos, a estratégia não colou.

 

Dois exemplos de tentativas não bem-sucedidas vêm da BMW e da Fiat. Para afastar seus utilitários de luxo da tradicional imagem de conforto limitado da categoria, a marca alemã os chama de SAVs. A palavra utility (utilitário) foi substituída por activity (atividade).

 

Eu nunca vi ninguém chamar modelos como X1 e X3, da BMW, de SAVs. Ou seja: só a própria montadora usa a nomenclatura.

 

É a Fiat, que decidiu chamar sua Toro, a picape média feita em base de carro de passeio, de SUP? Sabe o que significa isso, em tradução para o português? Picape utilitária esportiva.

 

Não colou de jeito nenhum, e é até estranho ver o pessoal da Fiat chamando o carro de o Toro (como se fosse um SUV), e não a Toro (como a picape que ela realmente é).

 

Os tais dos SUVs cupês

 

Está aí foi uma invenção da BMW, com o X6, que no ano que vem chega ao Brasil em terceira geração. Claro que a marca tentou usar a definição SAV para esse carro. Não colou também.

 

Independentemente da definição, o sucesso foi imenso. A razão é a mesma dos outros segmentos: o cliente quer ou precisa de um SUV, mas faz questão de um apelo bem mais esportivo e estético do que o oferecido por esses modelos.

 

A própria BMW ficou tão satisfeita com o resultado que lançou outro modelo nesse estilo, o X4. E as demais montadoras passaram a correr atrás, trabalhando em SUVs com estilo de cupê para chamar de seus.

 

Da Mercedes-Benz, há o GLC Coupé e o GLE Coupé. A Lamborghini, ao entrar no segmento, com o Urus, já foi direto na solução de coluna C rebaixada.

 

Da Audi, o Q8 acaba de ser lançado no País. E o Porsche Cayenne Coupé chega no fim deste mês.

 

As montadoras também começam a levar a tendência para o segmento de SUVs compactos. O pioneiro é o Q3 Sportback, da Audi. Ele já tem presença confirmada no Brasil: chega em 2021.

 

E aí, como vamos chamar esses carros?

 

No caso dos SUVs com estilo de cupê, a denominação crossover cai como uma luva. É um verdadeiro cruzamento de carrocerias em um segmento que o consumidor confunde bastante com o de crossover.

 

Mas a realidade é que eles não são mais crossover que o Audi A7. E quanto ao Mercedes-Benz AMG GT de quatro portas? Vamos chamá-lo do que: sedã, cupê ou crossover (a denominação correta)? Será que esportivo resolve?

 

O debate entre montadoras e puristas da classificação promete continuar por um longo período. Mas uma coisa é fato: se o mundo evolui, os carros evoluem e as montadoras evoluem, não há razão para se apegar tanto às antigas classificações, criadas em um contexto totalmente diferente do atual. Elas também precisam evoluir. (Jornal do Carro)