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A primeira troca de ofertas entre Brasil e México em negociações para chegar ao livre comércio, no que pode ser o próximo grande acordo a ser fechado pelo país, deve acontecer já em outubro.
De olho em um mercado que pode ir de carnes a aviões, o governo brasileiro tenta desde 2015 ampliar acordo de tarifa zero com o México, atualmente restrito ao setor automotivo e a áreas do setor químico.
O processo havia desacelerado em meio às renegociações do Nafta – zona de livre comércio entre México, Estados Unidos e Canadá- impostas pelo governo Trump aos vizinhos. Mas o tema voltou a ganhar fôlego em março, quando o acordo automotivo entre os dois países, assinado em 2002, avançou para o patamar de livre comércio.
Sob as novas regras, as exigências de conteúdo nacional -insumos produzidos localmente- no acordo automotivo passaram a ser mais rígidas, saltando de uma média de 35 para 40%, e a lista de exceções, que permitia um conteúdo nacional mais baixo, de até 10%, para alguns produtos, foi eliminada.
Com dificuldades em cumprir a nova norma, o governo mexicano pediu uma renegociação, e o Brasil apresentou então a proposta, aceita pelo outro lado, de se levar adiante uma negociação mais ampla, que envolvesse todos os setores.
De acordo com o diretor do Departamento do Mercosul e Integração Regional do Itamaraty, ministro Michel Arslanian Neto, o novo governo brasileiro assumiu com intenção de forte engajamento em acordos comerciais e, nesse contexto, houve a opção de se buscar um entendimento mais ambicioso com os mexicanos.
“Queríamos que essa negociação fosse parte de um processo de ampliação do comércio com México. Isso foi indicado em uma reunião em fevereiro”, afirmou.
A partir daí iniciaram-se as conversas sobre os temas e as regras para as negociações efetivas, que devem começar de fato até o final do ano, mais provavelmente em outubro, quando os dois países devem apresentar propostas para as desgravações tarifárias nos diferentes setores, com sugestões de prazos, cotas e cronogramas.
O mercado mexicano é um dos principais objetos de desejo tanto do setor industrial quanto do agropecuário no Brasil. Em pesquisas feitas pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), o país aparecia apenas atrás da União Europeia -com quem o Mercosul conseguiu este ano destravar o acordo comercial- e dos Estados Unidos.
“México e Brasil são as duas maiores economias da América Latina, mas eles representam menos de 3% das nossas importações e nossa participação no mercado deles é de 1,4%”, conta Fabrizio Panzini, gerente de Negociações Internacionais da CNI. Ele lembra que 25% do que o Brasil vende hoje para o México está concentrado no setor automotivo, por causa do acordo existente, o que representa 800 produtos em um universo de 6 mil.
“Há mais oportunidades no México que em qualquer outro país, incluindo Estados Unidos, Canadá, o Efta, Coreia ou Japão”, diz, citando países com quem o Brasil negocia acordos comerciais.
O país faz parte da Aliança do Pacífico, grupo comercial composto ainda por Chile, Peru e Colômbia, com quem o Brasil negocia um cronograma paralelo de desgravação tarifária. Mas, ao contrário dos demais, em que a liberação das tarifas já está em 100% das linhas (Chile) ou próximo disso (Colômbia e Peru), com os mexicanos é de apenas 12,2%.
“Muita gente diz ‘ah, o México tem acordo comercial com todo mundo, o problema é o Brasil’. Mas quem conhece sabe que não é assim. É uma relação complexa, uma relação que não desencanta, subaproveitada. E não é que não seja importante. É um comércio mais importante que a França, Itália, já há uma base importante”, diz Arslanian Neto.
Potencial
Em 2018, Brasil e México tiveram uma corrente comercial de 9,4 bilhões de reais, com um déficit de 404 milhões de reais para o Brasil, de acordo com dados do governo federal.
Um estudo da CNI aponta 346 produtos manufaturados brasileiros com potencial de entrada no mercado mexicano. Desses, atualmente mais de 60% tem tarifas de importação. A relação abarca produtos que vão da indústria de metais a máquinas e equipamentos, papel e celulose, eletroeletrônicos, motores, cosméticos, calçados, entre outros.
Temores de uma invasão de eletroeletrônicos ou outros produtos no mercado brasileiro, diz Panzini, são infundados. “Seria bastante parelho. Fizemos uma projeção de quanto cresceria e poderia aumentar nossa exportação em 41% e, deles para nós, em 40%”, afirma.
A maior dificuldade estaria, como em outros acordos comerciais, no setor agrícola. Terceiro maior exportador do setor no mundo, o Brasil assusta os produtores mexicanos.
“Eles têm uma resistência muito grande em agricultura com a gente. Tanto que o acordo existente hoje praticamente não contempla o setor”, admite Camila Sande, coordenadora de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
“Esse é um acordo que interessa muito ao setor. O México é um importador líquido de alimentos, tem quase 130 milhões de consumidores, é a 15ª economia do mundo”, explica.
Hoje esse mercado está praticamente dominado por Estados Unidos e Canadá, dentro do acordo do Nafta. Camila explica que os carros-chefe das exportações de alimentos do Brasil ao México são madeira e frango -única carne brasileira a entrar no país, tem 19% do mercado, enquanto os americanos têm 77%.
“Estamos lutando pelo menos por algumas cotas. O Brasil seria muito competitivo pelo menos em um acordo que nos deixasse em pé de igualdade”, defende.
Cereais, carnes em geral, frutas e lácteos seriam as principais áreas em que o Brasil iria se beneficiar de um acordo.
Do lado mexicano, a agricultura poderia ser menos competitiva, mas isso pode ser compensado em outras áreas. “Todo acordo parte de um equilíbrio”, diz Camila.
No Itamaraty, a expectativa é que um acordo com os mexicanos ande rápido e possa ser um dos próximos a sair do papel. “O negócio é desencroar. A gente tem que passar para uma nova fase nessas relações comerciais”, defende o ministro Arslanian Neto. (DCI Online/Reuters/Lisandra Paraguassu e Marcela Ayres)