O Estado de S. Paulo
A questão climática voltou a ganhar tração na agenda internacional. A Cúpula do Clima da ONU, na sequência da greve global pelo clima, mobilizou governos, grandes empresas, investidores e instituições financeiras. Às vésperas da realização desses eventos, as queimadas na Amazônia ganharam repercussão internacional. Na sequência, o governo brasileiro envolveu-se em polêmicas com outros países que produziram, na Europa, ameaças de boicote a produtos agropecuários exportados pelo País e de veto ao acordo firmado há menos de três meses entre o Mercosul e a União Europeia (UE).
Como se sabe, o acordo inclui um capítulo sobre comércio e desenvolvimento sustentável, com regras a serem cumpridas pelos signatários nas áreas de meio ambiente, mudança climática e direitos trabalhistas. Para o Brasil, trata-se da primeira vez que o tema das relações entre o comércio, de um lado, e o meio ambiente e trabalho, do outro, é incluído em acordos comerciais de que participa. O País tem um longo histórico de resistência a tratar temas ambientais e sociais em negociações comerciais. Por outro lado, esses temas fazem parte dos acordos comerciais preferenciais assinados pela União Europeia nos últimos anos.
As principais regras do capítulo sobre comércio e desenvolvimento sustentável no acordo birregional dizem respeito aos níveis de proteção ambiental e do trabalho. Reconhece-se o direito dos países a adotar e modificar seus próprios níveis de proteção refletidos em suas legislação e políticas domésticas. No entanto, os níveis de proteção ambiental e trabalhista também “devem ser consistentes com os compromissos assumidos por cada parte em acordos ambientais multilaterais e nas convenções ditas ‘fundamentais’ da Organização Internacional do Trabalho (OIT)”.
Ou seja, as legislações e políticas nacionais, bem como os compromissos ambientais e trabalhistas internacionais já assumidos por cada parte na esfera multilateral, definem o nível de proteção ambiental e do trabalho visado pelo acordo. Em relação a estes compromissos, o acordo não introduz nenhuma nova obrigação de natureza legal ou regulatória para os países signatários.
Apesar disso, o acordo estabelece disciplinas que buscam reforçar a efetiva implementação dos compromissos assumidos e impedir a eventual redução dos níveis de proteção ambiental e trabalhista vigentes como forma de incentivar o comércio e o investimento. Por outro lado, ressalta-se que as partes não devem aplicar suas leis ambientais e trabalhistas como restrição disfarçada ao comércio.
O capítulo inclui, ainda, artigos dedicados à mudança climática, biodiversidade, manejo sustentável das florestas, da pesca e de cadeias de suprimento. Em relação à mudança climática, as partes comprometem-se com a implementação efetiva da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) e do Acordo de Paris.
Para o Brasil, o acordo não gera nenhuma nova obrigação legal. Em críticas ao acordo Mercosul UE podem repercutir na discussão sobre a entrada do Brasil na OCDE
compensação, enfatiza o compromisso de assegurar o efetivo cumprimento de sua legislação e políticas ambientais, bem como o respeito aos acordos multilaterais assinados nas esferas ambiental e trabalhista.
Este acordo tem sido apresentado pelo atual governo como uma das principais conquistas na área de política comercial. No momento em que o País busca ampliar os instrumentos de integração econômica internacional, não deixa de surpreender o empenho das autoridades brasileiras em questionar o acervo regulatório consolidado pelo Brasil na área ambiental nas últimas décadas. Nessa toada, as críticas ao acordo, que se multiplicam na Europa, podem repercutir na discussão sobre a entrada do Brasil na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), comprometendo os principais elementos da estratégia de reinserção internacional do País. (O Estado de S. Paulo/Pedro da Motta e Sandra Polónia Rios, diretores do Centro de Estudos e Desenvolvimento – CINDES)