O Estado de S. Paulo
O orçamento do Ministério da Saúde para este ano é de R$ 120 bilhões já garantidos e, eventualmente, alguma coisa a mais. Em dólares, significa 30 bilhões. A comparação com os Estados Unidos é patética. Os gastos norte-americanos com saúde chegam a US$ 3 trilhões. Assim, ainda que colocando os recursos dos planos de saúde privados na conta, da ordem de R$ 180 bilhões, teríamos uma destinação total de pouco menos de US$ 80 bilhões para fazer frente aos gastos com saúde da sociedade brasileira.
O dado bom deste quadro é que, apesar da escassez de recursos, socialmente, o SUS funciona e, dependendo da área de atendimento, funciona bem. O problema do sistema, além do evidente cobertor curto, é o ingresso nele. Depois disso, saindo dos prontos-socorros e entrando nos hospitais, o atendimento, ainda que precário, às vezes incerto numa determinada data, entre secos e molhados, funciona, e o brasileiro acaba tendo um atendimento médico hospitalar moderadamente satisfatório, ainda que visto como impossível, em função dos poucos recursos alocados para a área.
O dado ruim é que o SUS está sobrecarregado. A crise dos últimos anos jogou mais três milhões de pessoas, antes atendidas pelos planos de saúde privados, na rede pública, obrigando a divisão dos parcos recursos por um número maior de pacientes.
O SUS disponibiliza aproximadamente R$ 600 por ano para cuidar da saúde de cada cidadão brasileiro. É menos do que o preço de uma consulta de um bom clínico geral. E o valor inclui tudo, de consulta a cirurgia, de exames a tratamento.
Neste cenário de cinto muito apertado, o governo federal ainda é obrigado a comparecer com mais de R$ 10 bilhões anualmente para custear os casos decorrentes da judicialização da saúde e fora do rol de coberturas oficial. É aí que vem a pergunta que não quer calar: será que, ao reduzirem o preço do DPVAT, o seguro obrigatório de veículos, ninguém do governo fez conta?
Por lei, 45% dos recursos do DPVAT são destinados ao Ministério da Saúde como remuneração para a rede pública que, hipoteticamente, atende pelo menos metade das vítimas de acidentes de trânsito.
Até dois anos atrás, este repasse atingia a significativa soma de R$ 3 bilhões. Será que o SUS, com os recursos e o desenho mostrado acima, está em condições de abrir mão de R$ 3 bilhões?
Para dar uma ideia do que esses R$ 3 bilhões podem custear, a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, que atende mais de dois milhões e meio de pacientes por ano, para fazer este atendimento, fatura do sistema público de saúde algo próximo de R$ 700 milhões.
Quer dizer, ao reduzirem o preço do DPVAT da forma como o fizeram, as autoridades encarregadas do setor de seguros retiraram do sistema público de saúde o equivalente aos recursos destinados a custear, nos parâmetros de hoje, quatro Santas Casas de São Paulo, ou o necessário ao atendimento de dez milhões de pessoas por ano.
Supondo que não haja necessidade de aumentar o número de pessoas atendidas pelo SUS, esses R$ 3 bilhões seriam muito bem-vindos para melhorar a qualidade e a rapidez do atendimento oferecido à população.
Mas se pensarmos que a dengue explodiu, a febre amarela corre solta e a chikungunya e a zika não apresentam sinais de arrefecimento, a saúde pública brasileira deve continuar sendo pressionada pelo aumento dos pacientes que buscam a rede.
Com mais uma agravante: o sarampo, erradicado do País há vários anos, não só voltou, como se transformou em epidemia, com São Paulo, já com mais de mil e setecentos casos confirmados, apresentando um número crescente de doentes a cada semana que passa. E o resto do País não é diferente.
Será que não teria sido mais inteligente aumentar o valor segurado do DPVAT e manter o preço anterior do seguro? De um lado, as vítimas dos acidentes de trânsito e seus beneficiários receberiam mais e, de outro, o SUS teria mais recursos para atender a população. 45% dos recursos do DPVAT são destinados ao Ministério da Saúde como remuneração para a rede pública. (O Estado de S. Paulo/Antonio Penteado Mendonça, sócio de Penteado Mendonça e Char Advocacia, secretário-geral da Academia Paulista de Letras)