No entorno da Ford, comércio tem queda de até 50% no movimento

Diário do Grande ABC

 

Sempre por volta das 17h, horário em que os ônibus fretados saem da Ford, em São Bernardo, os operários da linha de produção que não seguiam direto para casa aproveitavam para comer uma porção e beber uma cerveja nos restaurantes do entorno. Ontem, porém, cerca de cinco meses após o anúncio de que a montadora norte-americana vai fechar a planta na cidade, apenas veículos vazios cruzavam os portões, e desabitados também se encontravam os comércios do entorno. Estabelecimentos das redondezas já sentem o impacto de queda de 50% no movimento – do total de 2.200 funcionários no início do ano, 750 que trabalhavam na produção do New Fiesta estão sendo demitidos até 7 de agosto e 280 já aderiram ao PDI (Plano de Demissão Incentivada). Alguns passaram o ponto e, outros, até já fecharam as portas.

 

Josafá Pereira da Cruz, 70 anos, trabalha no Clauritas Bar e Lanches, localizado na saída da Rua Fernão Dias Paes Leme. Metalúrgico aposentado, que inclusive já trabalhou na planta da Ford na década de 1980, atende no bar há 15. “Nos últimos dois anos, o movimento já vinha caindo aos poucos. Mas, desde que o anúncio de fechamento aconteceu, caiu em 50%”, disse. Ele começou a trabalhar no local desde que o atual dono o comprou. “Foi um bom negócio, porque ele já fazia salgados, e estamos perto de duas montadoras. Ninguém ia imaginar a situação de hoje”, disse Cruz.

 

Aliás, são as refeições dos funcionários da Mercedes-Benz que seguram o restaurante. Eles também atendem os motoristas das empresas de fretados, que continuam a fazer as viagens diariamente por conta do contrato. Porém, pela localização do estabelecimento bem na saída da Ford, a movimentação dos funcionários da fábrica norte-americana tinha um peso maior.

 

“Além da hora do almoço, o pessoal terminava o expediente e vinha comer uma porção e tomar uma cerveja. Há dez anos, eu e a menina não dávamos conta, tinha que ter mais dois garçons temporários que ajudavam a gente. Agora, o patrão está pensando em até demitir um de nós, porque o movimento está muito fraco”, disse. “Eu já estou aposentado e faço esse bico, mas as meninas dependem disso aqui. Assim como os funcionários. Fico pensando, como as pessoas vão arrumar emprego numa crise dessas?”, questionou.

 

A equipe do Diário esteve no mesmo local no dia 19 de fevereiro, quando o fechamento foi anunciado. Tradicional na venda de bolos e salgados na porta da fábrica, o trailer de dona Maria José da Silva estava no local havia 15 anos, e abastecia os trabalhadores principalmente em dias de assembleia, e nas entradas e saídas. Ela acabou fechando as portas. O proprietário da padaria Paris House, localizada na Avenida Taboão, adquiriu o local em setembro de 2018, mas já vendeu o ponto. O gerente atual optou por não conversar com reportagem.

 

Mesmo com o atual cenário, há a expectativa de que outra empresa compre a unidade fabril. “Temos fé de que o negócio com a outra empresa vai se concretizar e de, que em breve, vamos voltar a ter movimentação de trabalhadores. É a nossa esperança. Até porque dependemos disso para permanecer aqui”, disse Cruz. Mesmo assim, ele lamenta. “Teve gente que trabalhou a vida inteira aqui e até chorou quando se despediu da gente. Eu estive até 1986 na Ford, e era muita gente. Também passei pela Volkswagen e me aposentei na GM, e acredito que em todas, se reduziu muito os trabalhadores.”

 

Negociações para a aquisição da planta da região continuam

 

Apesar dos diversos prazos para a conclusão da venda da fábrica da Ford, em São Bernardo, já terem sido vencidos, as negociações continuam. A expectativa dos trabalhadores é de que novo grupo, possivelmente a Caoa, que já assumiu publicamente o interesse em adquirir a unidade, adquira o parque fabril e efetue processo seletivo. De acordo com funcionários que falaram com o Diário e preferiram não se identificar, informações que circulam pela ‘rádio peão’ afirmam que serão abertas 750 vagas.

 

Na última semana, o prefeito Orlando Morando (PSDB) se reuniu com o ministro da Economia Paulo Guedes e tratou do assunto. O titular da Pasta demonstrou interesse em apoiar a compra da fábrica da Ford em São Bernardo com a utilização de recursos do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) por parte de empresa interessada.

 

Sem a presença da Ford na cidade, a perda de arrecadação para a Prefeitura seria de R$ 18 milhões. Deste total, R$ 14 milhões são oriundos de ICMS (Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) – que representam 1,65% do total de repasses do tributo, de acordo com o Orçamento municipal aprovado em dezembro – e, os demais R$ 4 milhões, se referem à arrecadação de ISS (Imposto Sobre Serviços) – 0,7% do volume total arrecadado. (Diário do Grande ABC/Soraia Abreu Pedrozo e Soraia Abreu Pedrozo)