Varejo fraco, produção travada

O Estado de S. Paulo

 

Cauteloso e com orçamento apertado, o consumidor tem sido moderado no gasto, como confirmam os dados muito fracos do comércio varejista, com volume de vendas 0,1% menor em maio do que no mês anterior. No ano, o volume vendido foi apenas 0,7% maior que o dos primeiros cinco meses do ano passado. Em 12 meses, o crescimento chegou a 1,3%. De um lado, esses números são um claro reflexo das péssimas condições do mercado de trabalho, com 13 milhões de desempregados e mais 12 milhões de subempregados e desalentados. De outro, ajuda a explicar a fraqueza da produção industrial, com zero de crescimento nos 12 meses terminados em maio.

 

O diagnóstico sombrio do Banco Central – a recuperação foi interrompida – é confirmado pelos números de maio da indústria e do varejo. O cenário do primeiro trimestre, quando o Produto Interno Bruto (PIB) foi 0,2% menor que nos três meses finais de 2018, praticamente se manteve nos dois meses seguintes. Poucos dados de junho já foram publicados, mas, se tiver ocorrido alguma melhora, deve ter sido insuficiente para mudar de forma sensível o quadro geral.

 

O mercado de emprego, com seus números sinistros, é geralmente lembrado como pano de fundo. Mas é muito mais que isso. É parte de um ciclo de realimentação. A situação precária

 

dos trabalhadores, e, é claro, de suas famílias, impede a expansão do consumo e do varejo. A fraqueza do comércio se transmite à indústria. No Brasil, a atividade dos serviços depende fortemente – muito mais que em vários outros países – das condições das demais atividades. Tudo isso se reflete no prolongamento do desemprego, do subemprego e do desalento, e nenhuma grande mudança ocorrerá enquanto nada interferir nesse carrossel sinistro.

 

Há quem aposte numa retomada do investimento privado a partir da aprovação da reforma da Previdência. Falta explicar por que um empresário com 30% de ociosidade em sua fábrica decidirá comprar novas máquinas, se as suas ainda forem utilizáveis. Comprará, sim, se a reposição for inadiável, mas a maioria de seus pares provavelmente continuará de olho nos números da demanda e de sua receita.

 

Parece muito mais seguro apostar no consumo para interromper o ciclo da estagnação e repor a indústria no caminho do crescimento firme. Poderá haver alguma demora até aumentar a oferta de vagas, mas o percurso terá começado e as incertezas diminuirão.

 

Até agora, fontes do governo indicaram poucas possibilidades de estímulo ao consumo. Com as contas públicas em mau estado, falta espaço para aumento de gastos – embora alguns economistas de boa reputação defendam algum estímulo fiscal. Mas o governo ainda poderá recorrer, segundo aquelas fontes, à liberação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do PIS-Pasep. Crescimento econômico duradouro dependerá de outras medidas, mais profundas. Mas o impulso inicial é ao mesmo tempo indispensável, em qualquer caso, e, mais que isso, urgente, como indicam as péssimas condições do mercado de emprego.

 

Ninguém se iluda com os números mais animadores, à primeira vista, do comércio varejista ampliado. Para chegar a esses números se acrescentam aos do varejo comum, mais voltado para o dia a dia da vida familiar, as vendas de veículos e componentes e de materiais de construção. O volume vendido por esse varejo mais amplo foi em maio 0,2% maior que em abril. Em 12 meses, a expansão chegou a 3,8%.

 

Esse desempenho melhor é atribuível principalmente às vendas de veículos e componentes, com avanço de 12,2% em 12 meses. Crédito, promoções e a expansão de frotas comerciais (como as de Uber e de carros de aluguel) explicam boa parte desse avanço.

 

Alguns poderão entusiasmar-se com a movimentação do setor automobilístico. Mas, se quiserem ser realistas, valerá a pena darem uma espiada em alguns outros números. Em junho deste ano, as montadoras produziram 233,1 mil veículos. Em junho de 2013 a produção chegou a 323,8 mil. Falta um longo percurso para retomar o nível de seis anos atrás. (O Estado de S. Paulo)