Estado de Minas
A indústria automobilística passa pela maior revolução em 100 anos. A mudança, talvez, seja ainda mais impactante do que a transição na locomoção “do jegue ao patinete”, porque o futuro representa uma grande volta ao passado. O primeiro carro fabricado no mundo foi elétrico. E, em termos globais, é para a popularização dos eletrificados que se dirige o setor, guiado pela noção de sustentabilidade e pelas metas de redução nas emissões de gases de efeito estufa. No entanto, no Brasil falta acelerador.
Em um país cuja frota é de quase 59 milhões de veículos, foram vendidos 10,6 mil carros elétricos entre 2012 e 2018, de acordo com a Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE). Ricardo Guggisberg, presidente da entidade, explica que a indústria brasileira ainda é muito focada no motor a combustão. “O veículo elétrico é caro por causa das baterias. Isso dificulta o desenvolvimento. Mas ganhamos incentivos, como isenção de imposto de importação e de produção. Com a evolução e a queda dos preços, o cenário vai mudar”, aposta.
Nos próximos cinco anos, a ABVE projeta um crescimento do mercado de 300% a 500%, com base nos números de 2017, de 3.296 unidades licenciadas. Em 2026, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) prevê que os veículos elétricos híbridos não plug-in (com um motor elétrico e outro a combustão) representarão 2,5% dos licenciamentos, ou cerca de 100 mil unidades. A EPE estima que os veículos híbridos plug-in (com dois motores e possibilidade de recarregar na corrente elétrica) e os totalmente elétricos a bateria (BEV) não entrarão no mercado antes de 2026 e ainda serão estatisticamente pouco significativos em 2030.
Para os especialistas, o que segura o avanço desses modelos é o lobby das grandes montadoras no Brasil, que preferem produzir um carro barato e poluente do que investir na tecnologia de ponta, e do setor sucroalcooleiro, que aposta na substituição da gasolina pelo etanol para o país alcançar as metas de redução de emissões. Andrea Cardoso, diretora-executiva da Accenture para indústria automotiva no Brasil, diz que o desafio elétrico também passa pela “dobradinha custo e infraestrutura”. As baterias são caras e faltam postos de abastecimento no país.
Estratégia “As empresas lançam modelos lá fora e o novo regime automotivo Rota 2030 tem metas claras de redução de impostos para quem atingir certos parâmetros”, destaca. “No entanto, o Brasil tem a possibilidade do uso de etanol. E as montadoras vão pelo caminho do carro flex. Por isso, o elétrico vai acontecer de maneira tímida”, ressalta.
O presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Guto Ferreira, explica que as grandes montadoras investem pesado nos elétricos em seus países de origem, mas permitem que as subsidiárias brasileiras tomem as decisões locais. “As matrizes têm todo o interesse em desenvolver a tecnologia no Brasil, mas ainda é lucrativo produzir carro ruim e barato e vendê-lo por preços absurdos”, diz. “A política deveria ser mais agressiva para incentivar os carros elétricos”, defende.
A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) não “fala sobre o tema, pois cada marca associada tem uma estratégia diferente”. Mas explica que a única, até agora, que anunciou produção no Brasil de um híbrido foi a Toyota. Maurilio Pacheco da Silva Neto, gerente de produto da marca japonesa, diz que as vendas de veículos híbridos vêm crescendo de forma constante. “Em 2016, o volume médio era de, aproximadamente, 50 unidades mensais. Esse montante subiu para 200 carros em 2017 e chegamos a 450 em junho deste ano”, afirma.
“A indústria automobilística está passando por um momento de transformação, talvez o maior e mais importante dos últimos 100 anos. O processo mudará completamente não somente os carros, mas a maneira como o mundo se move”, destaca. “A Toyota está atenta e se transformando de uma fabricante de automóveis para uma empresa provedora de mobilidade”, acrescenta.
Matriz energética Segundo Silva Pacheco, a preocupação com matriz energética, emissões e sustentabilidade é o drive da companhia, que criou, em 1997, o Prius, primeiro veículo híbrido produzido em larga escala no mundo. “Hoje, são quase 40 modelos presentes em mais de 90 países. Em 20 anos, 11 milhões de veículos elétricos foram vendidos globalmente”, ressalta.
Os híbridos são o primeiro passo para o processo de eletrificação no Brasil, porque não necessitam de investimentos na infraestrutura, já que não se recarregam na corrente elétrica. “A economia de combustível do Prius, quando confrontada à de um modelo de mesmo porte movido a gasolina, é de até 52% na cidade e 42% na estrada”, compara. (Estado de Minas/Simone Kafruni)