Associação Mercosul e União Europeia

O Estado de S. Paulo

 

Em 28 de junho, o Mercosul e a União Europeia (UE) concluíram a negociação de um ambicioso acordo de associação, que inclui três vertentes: a política, a de cooperação e a do livre-comércio. Aguarda-se a divulgação dos termos desse acordo de associação, que estabelece a maneira como se desenvolverão o diálogo político, inclusive multilateral, e a cooperação, para conhecer seu alcance e como os interesses nacionais foram tratados.

 

O acordo de livre-comércio – parte integral desse acordo mais amplo – pretende consolidar, em dez anos, uma parceria econômica e criar oportunidades para o crescimento sustentável nos dois lados, respeitando setores econômicos sensíveis, o meio ambiente e preservando os interesses dos consumidores. O acordo é composto por capítulos e anexos relativos aos seguintes temas: acesso tarifário ao mercado de bens (compromissos de desgravação tarifária); regras de origem; medidas sanitárias e fitossanitárias; barreiras técnicas ao comércio (anexo automotivo); defesa comercial; salvaguardas bilaterais; defesa da concorrência; facilitação de comércio e cooperação aduaneira; serviços e estabelecimento (compromissos em matéria de acesso); compras governamentais (compromissos em matéria de acesso); propriedade intelectual (indicações geográficas); integração regional; diálogos; empresas estatais; subsídios; pequenas e médias empresas; comércio e desenvolvimento sustentável; anexo de vinhos e destilados; transparência; temas institucionais, legais e horizontais; e solução de controvérsias.

 

Cabe ressaltar a inclusão de regras, como o princípio da precaução, para garantir segurança alimentar e preservação da Floresta Amazônica, e a de proteção do meio ambiente, mudança do clima (observância do Acordo de Paris), que precisam ser mais bem explicitadas.

 

Não resta dúvida sobre a importância do acordo com a UE, nosso segundo parceiro comercial, do grupo, e o primeiro em investimentos. As informações divulgadas até aqui dão uma ideia geral do arcabouço e das principais diretivas do acordo de livre-comércio entre as duas regiões, mas não permitem ainda uma análise objetiva sobre o resultado das negociações porque não foram divulgadas nem as listas de produtos e seu cronograma de redução das tarifas ao longo de dez anos, nem o small print, ou seja, os detalhes relevantes da negociação.

 

O acordo põe fim a um longo período de mais de 20 anos de isolamento do Mercosul e do Brasil nas negociações de acordos comerciais. Enquanto nesse período o Mercosul assinou apenas três acordos (Egito, Israel e Autoridade Palestina), segundo a OMC foram assinados mais de 250 acordos comerciais no mundo. Isolado, o Brasil perdeu espaço nos fluxos dinâmicos do comércio internacional e participa de forma menor das cadeias de valor global no intercâmbio entre empresas. Com a assinatura do acordo, na contramão do movimento global que tende ao protecionismo e às restrições ao livre-comércio, o Mercosul volta a ter visibilidade e deve acelerar as negociações com a Efta (área de livre comércio da Europa), o Canadá, a Coreia do Sul e Cingapura.

 

Sem a divulgação completa do acordo surgem dúvidas quanto à forma e à rapidez com que o atual governo conduzirá o processo de abertura da economia.

 

Para aproveitar as preferências tarifárias recebidas e para manter a participação no mercado interno, os produtos industriais deverão melhorar significativamente sua competitividade e passar a receber tratamento isonômico em relação ao produzido em outros países. Sem isso será difícil competir no mercado europeu com a importação de outras áreas.

 

Não se pode esperar dez anos para pôr a casa em ordem e aprovar reformas como a da Previdência, a tributária, a da estrutura tarifária interna. Faz-se necessário um amplo programa de desburocratização, de simplificação e facilitação de negócios e de melhoria na logística (portos, estradas, ferrovias) a fim de reduzir o chamado custo Brasil. Esse ônus para as empresas chega a mais de 30% e torna o produto nacional pouco competitivo. Em paralelo, um eficiente programa de inovação da parte das empresas e de políticas públicas ajudaria a modernizar a operação das companhias que produzem para o mercado doméstico e também exportam. Medidas recentes, incluída portaria sobre a possibilidade de importação com tarifa zero de produtos sem produção local (também de produtos usados), no momento da divulgação do acordo com a UE, causam insegurança e incerteza pela falta de diálogo com o setor produtivo.

 

Será importante que governo e setor privado atuem conjuntamente, pois é objetivo comum criar a confiança para a volta do investimento, o que traria crescimento da economia e redução do desemprego. O acordo com a UE, assim como a entrada na OCDE, forçará o governo e o setor privado a trabalharem com o Congresso Nacional para a aprovação da legislação de forma a tirar o Brasil do atraso em que se encontra, sobretudo em termos tecnológicos.

 

Com visão de futuro e cumprida a agenda doméstica de recuperação da competitividade, ademais da conclusão dos acordos em negociação, o próximo passo poderia ser uma aproximação maior não com os EUA, como mencionado por Jair Bolsonaro e Mauricio Macri, de difícil concretização pelas políticas de Donald Trump, mas com os países da Ásia, o polo dinâmico do comércio internacional. Seria importante sinalizar aos países-membros da Parceria Transpacífica a intenção nossa e do Mercosul de nos juntarmos ao grupo de 11 países que atualmente inclui Japão e outros sete países asiáticos, mais México, Chile e Peru.

 

O acordo Mercosul-UE pode ser o elemento catalisador de todo um programa interno e de negociação externa que permitirá a expansão do comércio exterior brasileiro.

 

Acordo pode catalisar um programa que permita expandir nosso comércio exterior. (O Estado de S. Paulo/Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)