As peripécias do ex-CEO da Mercedes-Benz

Jornal do Carro

 

Três ou quatro anos atrás, em um voo na Alemanha, havia uma popular revista alemã a bordo. Na capa, a seguinte reportagem: “Os CEOs mais descolados do País”. Três foram escolhidos: dois caras na casa dos 40 anos e Dieter Zetsche, hoje aos 66.

 

Zetsche estava com trajes de rock star. Calça jeans, casaco de couro. Poderia muito bem subir ao palco e começar a cantar.

 

Mas, para quem não conhece a história do executivo alemão, aquela imagem poderia parecer estranha. Afinal, estamos falando de um senhor na casa dos 60 anos, com um bigode que era sua marca registrada e, apesar de nitidamente simpático, com aparência típica de um sério CEO alemão.

 

Como a palavra “descolado” pode ser associada a essa imagem? Pois não apenas pode, como deve. Dieter Zetsche merece mais do que qualquer outro executivo do setor automobilístico com o qual eu já tenha convivido esse adjetivo.

 

Dieter Zetsche não é apenas descolado. Ele é a maior “figura” do mundo do automóvel.

 

Vocês podem se lembrar, no Brasil, de Ray Young, ex-CEO da GM, tocando guitarra ao som de “All Right Now”, da banda Free, no Salão do Automóvel de 2006. Porém, aquilo foi ensaiado, e nem pareceu autêntico. Young era bem diferente, nas coletivas de imprensa, da imagem descolada que tentou passar naquele dia.

 

Zetsche, CEO da Mercedes por 12 anos, se aposentou nesta quarta-feira (22). Foi sucedido pelo sueco Ola Kallenius, que já ocupou o cargo de presidente da divisão AMG, e talvez não fique muito atrás do alemão quando o assunto é ser autêntico.

 

Afinal, Kallenius certa vez disse que os modelos Black Series da AMG são “o lado negro da força”. Achei muito irreverente.

 

Voltando a Dieter Zetsche, agora aposentado, ele terá suas peripécias lembradas sempre no mundo do automóvel. Vou descrever algumas que presenciei.

 

Com seu inconfundível bigodão, Zetsche geralmente se apresentava nas coletivas de imprensa de salões automotivos trajado como um bom executivo alemão. Terno e gravata.

 

Porém, quando começava a falar, era autêntico, engraçado e sabia rir de si mesmo – ou da empresa que dirigia, nesse caso.

 

Durante alguns anos, sempre que Dieter Zetsche se referia ao Classe A, aparecia um alce no telão logo atrás dele nos palcos. A plateia gargalhava.

 

Era a Mercedes, na figura de Dieter Zetsche, rindo de si mesma. A primeira geração do Classe A capotou em um teste do alce (ou slalom) feito por uma revista europeia. Depois disso, a Mercedes-Benz decidiu manter o ESP sempre ligado no modelo, que tinha jeitão de minivan e centro de gravidade muito alto.

 

Em vez de tratar um capítulo ruim na trajetória da Mercedes como tabu, Dieter Zetsche fazia piada, para descontrair. E com resultado: o Classe A sobreviveu, já está na quarta geração e se tornou um sucesso na Europa.

 

O garçom do Salão

 

No ano de 2008, o Salão de Detroit (EUA) teve seu último grande momento como grande mostra automotiva da América do Norte. Em frente ao Cobo Center, local do evento, há um quartel de bombeiros, conhecido como “Fire House”.

 

A Chrysler, que fazia parte da Daimler, dona da Mercedes, costumava alugar o quartel para receber convidados após o salão. Por ali, montava um bar, promovia shows de blues e outros gêneros musicais… Era um momento de descontração após o evento.

 

Fui ao bar e vi um garçom servindo vinhos. Estava uniformizado e todo sorridente, batendo papo com os convidados enquanto os servia. Era Dieter Zetsche.

 

Frequentemente, em eventos da Daimler em salões mundiais, ele bancava o garçom. E se divertia com isso. Virou tradição.

 

E por falar em Detroit, em 2014, para apresentar o Classe G, Zetsche abandonou o terno e se vestiu de caubói. Ao lado de Arnold Schwarzenegger, virou alguns “shots” de tequila.

 

Ele abandonou o terno em algumas outras ocasiões também. Um exemplo foi o Salão de Paris de 2016, quando adotou calça jeans para apresentar o protótipo EQ, o Mercedes da nova geração.

 

Um grande CEO

 

Claro que Dieter Zetsche nem sempre era essa figura dos palcos. Em entrevistas nas salas reservadas nos estandes da Mercedes em salões, por exemplo, era um cara bem sério.

 

Nada de piada nem de momentos descontraídos. Ali, ele assumia a imagem de um típico executivo alemão.

 

Mas era bom de respostas. Foi ele que me contou, em primeira mão, que a Mercedes estudava ter novamente uma fábrica no Brasil. Hoje, a marca monta carros em Iracemápolis.

 

Na versão de Dieter Zetsche, houve também um processo de rejuvenescimento na marca, a fim de atingir público mais jovem. Além disso, com equipe própria, a Mercedes se tornou uma das maiores forças da história da Fórmula 1.

 

Na quarta-feira, a BMW, arquirrival da Mercedes, divulgou um vídeo fazendo uma piada provocativa e tendo a assessoria de Zetsche como tempo.

 

Na propaganda (veja abaixo), Dieter Zetsche, após se despedir da Mercedes, celebra a liberdade. Ele abandona um sisudo sedã da marca e sai de sua garagem guiando um descolado BMW i8 Roadster.

 

Eu aposto que Zetsche riu da piada. É a cara dele. (Jornal do Carro)