O Estado de S. Paulo
Com fábricas em marcha lenta, novas demissões, excesso de estoques e perspectivas cada vez menos favoráveis, a indústria oferece a síntese mais clara e mais dramática de uma crise quase menosprezada, até agora, pelo novo governo. Enquanto o presidente dá prioridade a outros assuntos, como o porte de armas e a localização da embaixada em Israel, a equipe econômica batalha quase exclusivamente por ajustes e reformas, como se, além disso, quase nada se pudesse fazer para reanimar a economia. Medidas para reduzir entraves burocráticos e simplificar os negócios foram anunciadas, mas só deverão produzir efeitos sensíveis a longo prazo. Enquanto isso, consumidores apertam seus gastos, o comércio fraqueja e a indústria opera com dificuldade num ambiente de baixa demanda e muita insegurança. Se o governo cuidar mais do curto prazo, pondo algum combustível na economia, até o desafio de fechar as contas públicas poderá, dentro de algum tempo, ficar bem menos complicado.
É preciso, com urgência, abandonar certas ilusões. Muitos apontam a aprovação da reforma da Previdência como a senha para os empresários voltarem a investir. Alguns acrescentam a esse quadro uma expansão do investimento estrangeiro. Mas investimento estrangeiro, embora importante e desejável, tem peso marginal na movimentação da economia, no curto prazo. Quanto ao empresário nacional, por que investirá em máquinas e equipamentos, se as fábricas operam com um terço de ociosidade?
O ministro da Economia e seus companheiros deveriam ler com atenção a última sondagem publicada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). Em abril, segundo o relatório, o setor utilizava em média 66% da capacidade instalada. O porcentual é o mesmo de um ano antes. A média anual entre 2011 e 2014 foi sempre superior a 70%. Só vale a pena investir, na situação de hoje, para substituir bens de capital em más condições ou perigosamente superados.
Ainda em abril, os estoques voltaram a aumentar e pelo terceiro mês consecutivo ficaram em excesso, de acordo as empresas. No quadro de hoje, de baixa demanda final e produção escassa, as empresas devem priorizar a venda dos produtos estocados antes de aumentar a fabricação, como observou, ao apresentar os dados, o economista Marcelo Azevedo, indicando um fato facilmente perceptível.
Mas a estagnação das vendas e da produção produz efeitos também na teia produtiva. Com expectativas menos otimistas em relação à demanda interna e ao volume de exportações, os dirigentes de indústrias tendem a reduzir os planos de compras de matérias-primas. Essas expectativas continuam na zona positiva, isto é, acima da linha divisória de 50 pontos, mas caíram seguidamente ao longo de três meses. Assim, quando o programa de produção de uma empresa é revisto para baixo, a decisão acaba afetando também seus fornecedores de matérias-primas e de bens intermediários.
Com expectativas menos otimistas, também os planos de contratação de pessoal têm sido revistos. Nesse caso, como no da compra de insumos, a queda ocorreu nos três meses de março, abril e maio. Mais que uma redução de contratações, em abril houve dispensas. O índice de evolução do número de empregados ficou em 48,8 pontos, na zona negativa, portanto. Em todos os meses de abril o indicador esteve nessa zona desde 2014.
Raramente a equipe econômica citou medidas com potencial para produzir estímulos no curto prazo. Chegou-se a mencionar uma liberação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e um novo plano habitacional. O governo poderia atuar em qualquer das duas linhas sem muita dificuldade. Na semana passada, o secretário nacional da Habitação, Celso Matsuda, anunciou para junho uma versão nova do programa Minha Casa, Minha Vida. Se bem concebida e bem conduzida, a iniciativa poderá gerar empregos e estimular vários setores. Será preciso mais que isso, e com urgência. Tanto melhor, se esse programa indicar a redescoberta do curto prazo pela equipe econômica. (O Estado de S. Paulo)