Nova paralisação dos caminhoneiros?

O Estado de S. Paulo

 

Pelo que li sobre o mercado de serviços de transporte por caminhões, ele envolve, do lado da oferta, caminhoneiros autônomos e empresas transportadoras e seus caminhoneiros. E do lado da procura estão os demandantes finais, como os produtores de soja e empresas transportadoras que também podem recorrer a autônomos. Há demandantes finais que dispõem de frotas próprias. E, ainda, agenciadores que atuam entre a oferta e a demanda.

 

O mercado tem excesso de oferta de caminhões, o que pressiona os fretes para baixo e a desocupação para cima. Isso foi fator atuante na paralisação de 2018, pois autônomos e transportadoras reclamavam de que tal excesso reduzia o valor dos fretes, o que era agravado pelo maior custo do diesel. Como resultado da paralisação e da fragilidade governamental ao enfrentá-la vieram o congelamento do preço do diesel até o fim do ano passado e uma tabela de fretes para sustentar preços. Isso foi visto como uma vitória dos caminhoneiros e das transportadoras.

 

Examinarei este mercado sem olhar isoladamente cada um dos seus atores, mirando também os inter-relacionamentos entre eles, inclusive na sua dinâmica ao longo do tempo. A análise será concentrada nos caminhoneiros autônomos, que mais vocalizam reivindicações e são mais atuantes na paralisação. Parecem-me, também, o grupo mais vulnerável entre os citados. Sobre os agenciadores não encontrei informações.

 

A paralisação trouxe grandes prejuízos ao País. Vi estimativas de que o custo chegou a um total de 0,1% a 0,3% do PIB de 2018, algo entre R$ 7 bilhões e R$ 21 bilhões. Ela gerou desconfiança entre demandantes quanto aos serviços prestados pela oferta. Junto com a tabela de fretes, que agravou custos, isso encorajou a expansão da frota própria e o recurso a outros meios de transporte, como a cabotagem – a navegação costeira entre portos nacionais –, que, segundo matéria na Folha de S.Paulo em 5/5/2019, aumentou 18% após a paralisação.

 

Quanto às frotas próprias, conforme outra reportagem do mesmo jornal, no dia 11/5, “(…) desde maio de 2018 foram fabricados 75.628 caminhões (…)”. E, em 2018, o número de emplacamentos cresceu 48% (!) em relação a 2017. Com isso, o excesso de oferta se agravou.

 

Como foi o impacto dessas alternativas sobre os autônomos? Foi desastroso e transparece na mesma reportagem. Sua autora, a jornalista Heloísa Negrão, foi ao Terminal de Cargas de São Paulo, onde “(…) encontrou vários caminhoneiros parados havia dias à espera de trabalho”. Oito deles foram entrevistados pela repórter e se declararam originários de diferentes Estados: MT, SP (dois), RS (dois), CE, PR e MG. O título da reportagem resume a situação encontrada: Vida está muito pior um ano após mobilização, dizem caminhoneiros.

 

Ou seja, ao paralisar suas atividades em 2018, não refletiram sobre os desdobramentos de suas decisões naquilo que poderiam trazer de reações inconvenientes de outros atores do mercado.

 

E houve outro inconveniente: como já disse em artigo anterior, antes da paralisação de 2018 era muito difundida uma visão dos autônomos como batalhadores dedicados a um trabalho árduo, muitas vezes longe da família, vindo de uma vocação que preza a liberdade de tocar por si mesmo o seu trabalho e de percorrer caminhos espalhados por este país de natureza exuberante. O apoio mútuo dentro do grupo é, também, respeitado e invejado no contexto social. Já foram tema de várias canções. Mas, agora, o tom da música seria outro, com a angústia que vem do aumento dos dias parados à espera de um frete.

 

A paralisação abalou a visão citada, pois trouxe até violência dentro do grupo e contra a sociedade, como ao brigarem entre si e atentarem contra o direito de ir e vir dos cidadãos, impedindo, com bloqueios, o trânsito pelas estradas, a exemplo dos realizados por pequenos grupos que queimaram pneus em vários trechos.

 

Em face de sua situação, agora agravada, entre outras reivindicações os autônomos querem novo subsídio ao preço do diesel. E, ao serem entrevistados pela Folha, um deles mencionou também a ideia de “(…) fazer as transportadoras passarem 40% do frete para os caminhoneiros autônomos (…)”, o que é um sonho, e outro propôs aumentar a fiscalização para cumprir a tabela de fretes. Para Wallace Landim, o Chorão, um dos representantes dos caminhoneiros e interlocutor do governo, “(…) a solução para o excesso de caminhões e a falta de cargas é o cumprimento da jornada de trabalho. Assim, os caminhoneiros trabalhariam menos e seria preciso contratar mais”.

 

Sou contrário ao subsídio ao diesel e à tabela de fretes. Ademais, a efetiva fiscalização do cumprimento dessa tabela é impraticável, e o mesmo vale para a ideia proposta por Chorão. Imaginar que caminhoneiros autônomos cumpririam uma jornada de trabalho é uma ilusão.

 

Virá outra paralisação? A mesma reportagem diz que os caminhoneiros estão divididos quanto a isso, o que parece ser sinal de que alguns já aprenderam lições de 2018. Outra paralisação agravaria ainda mais a situação dos autônomos, em face de novos desdobramentos como os já apontados e que vale ressaltar: a expansão de frotas próprias agravou o excesso de oferta dos autônomos, o mesmo acontecendo com a cabotagem.

 

E há mais ameaças à frente para estes profissionais, parecendo-me que os autônomos estão sujeitos a riscos e infortúnios similares aos que atingiram os taxistas, decorrentes da atuação do Uber e de aplicativos similares. Vi que nos EUA já existe o Uberfreight, que traduzi como Uberfrete, para caminhões. Aqui, ainda não vi o Uber trabalhando com eles, mas, se fosse um autônomo, já iria me preparando para essa eventualidade, pensando, inclusive, na opção de um dos entrevistados no Terminal de Cargas de São Paulo: a de vender seu caminhão. Pelo visto, Chorão vai ter muito mais por que chorar.

 

Repetir o que aconteceu em 2018 agravaria ainda mais a situação dos autônomos. (O Estado de S. Paulo/Roberto Macedo, economista [UFMG, USP E HARVARD], é consultor econômico e de ensino superior)