Os radares e a nova CNH

O Estado de S. Paulo

 

Devem ser analisadas com cautela tanto a decisão de Jair Bolsonaro de cancelar a instalação de 8 mil novos radares eletrônicos nas estradas federais do País como o anunciado projeto de lei que pretende aumentar o limite de pontuação por multas – de 20 para 40 – que leva à suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH).

 

Ambas as medidas soam muito bem aos ouvidos de uma expressiva parcela da população que, não sem uma boa dose de razão, acredita haver excessos na aplicação das multas de trânsito. O próprio presidente reforçou esta percepção no fim do mês passado. No Twitter, Bolsonaro disse que determinara ao Ministério da Infraestrutura o cancelamento da instalação dos novos radares nas rodovias federais porque “sabemos que a grande maioria (dos radares) tem o único intuito de (dar) retorno financeiro ao Estado”.

 

A decisão do presidente foi sustada pela juíza Diana Wanderlei, da 5.ª Vara Federal Cível de Brasília. A magistrada determinou que o governo federal se abstenha de retirar radares das rodovias até que sejam concluídos “estudos técnicos” e demonstrado “planejamento de efetiva implementação de políticas públicas que sejam melhores do que as até então vigentes, quanto à utilização

 

dos medidores de velocidade, em especial, com vista à diminuição da mortalidade causada por acidentes”.

 

Em que pese a intromissão do Poder Judiciário em seara específica do Poder Executivo – a saber, a determinação de políticas públicas –, a retirada dos radares não pode ser fruto da vontade do presidente da República.

 

Se Jair Bolsonaro pensa que os radares não servem aos fins a que se destinam, melhor faria se encomendasse ao Ministério da Infraestrutura estudos para uso mais racional dos equipamentos. Muitos estão mal posicionados, mal sinalizados ou mal calibrados.

 

Também seria oportuna a adoção de medidas para melhorar a qualidade do atendimento aos motoristas que recorrem da aplicação de multas que julgam ser indevidas. A simples interposição de um recurso é um extenuante exercício de paciência. E as decisões raramente são favoráveis aos recorrentes.

 

Tal como foram expostas, as ideias de Jair Bolsonaro para o trânsito brasileiro aproximam-se de medidas eminentemente populistas.

 

Em relação à Carteira Nacional de Habilitação, o governo diz basear-se em experiências internacionais ao propor o aumento do limite da pontuação. Não se conhece o tal rol de países que teriam inspirado a opção por um sistema de pontos progressivos dilatado.

 

No entanto, há um dado positivo no projeto de lei do governo. Trata-se do aumento do prazo de validade da CNH, de cinco para dez anos. A medida foi prometida por Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral e virá em boa hora. Em geral, cinco anos é tempo muito curto para haver mudanças nas condições de direção da maioria dos motoristas.

 

O País tem um dos trânsitos mais violentos do mundo e anualmente é assombrado por estatísticas macabras. Há de se ter isto em mente quando se pretende tratar de mudanças na legislação de trânsito. A bem da verdade, o número de mortes nas estradas vem caindo, muito em função do maior rigor na fiscalização nas estradas e principais vias do País, mas ainda é um número assustadoramente alto: quase 50 mil mortes por ano.

 

Um levantamento feito pelo Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV), divulgado no ano passado, mostrou que num período de cinco anos – entre 2011 e 2015 – 210 mil pessoas morreram em acidentes de trânsito no Brasil. Foram cinco mortes por hora, uma a cada 12 minutos nas ruas e estradas País afora.

 

Medidas de apelo popular não são um problema por si sós. Há muito tempo é dado aos governantes tomar decisões que despertem simpatia nos governados e atendam a seus interesses imediatos. O problema é quando as medidas assim tomadas se confundem com irresponsabilidade. (O Estado de S. Paulo)