Indústria brasileira deve sofre impacto com freada argentina

O Estado de S. Paulo

 

O presidente argentino, Mauricio Macri, anunciou ontem pacote que inclui o congelamento dos preços de 60 produtos e das tarifas de energia, gás, transportes e pedágio, em uma tentativa de amenizar a crise econômica no país às vésperas da eleição presidencial. Após o anúncio, analistas já reviam para baixo as previsões de crescimento esperado para a indústria brasileira.

 

O pacote anunciado ontem pelo presidente argentino, Mauricio Macri, para tentar amenizar a crise não será suficiente para reverter a trajetória de queda da economia – nem reduzir os impactos que a recessão no país vizinho tem causado no Brasil. O Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV, projeta uma recessão de 2,2% na Argentina em 2019 e ontem revia para baixo a estimativa de crescimento da indústria brasileira por causa da queda esperada nas exportações para o país. O novo número será divulgado apenas na próxima semana, mas será inferior ao 1,9% que havia sido calculado em março.

 

“No fim de 2018, esperávamos uma melhora na Argentina no segundo semestre deste ano. Essa expectativa não se configura mais. A notícia de hoje (ontem), de se mexer nos preços dos produtos, é péssima, é um sinal de que as coisas saíram do controle”, disse Luana Miranda, economista do Ibre. “Estamos finalizando a nova projeção da indústria, muito em parte por causa do efeito argentino”, acrescentou.

 

Em recessão, a Argentina deve reduzir ainda mais as compras de produtos brasileiros, principalmente de itens industrializados. Luana destaca que, entre janeiro e abril de 2018, os embarques do Brasil para o país cresceram quase 8% na comparação com o mesmo período do ano anterior. Após a chegada da crise – entre maio e dezembro –, eles despencaram 30%. No acumulado de 2019, o recuo chega a 48%.

 

Além de prejudicar as exportações e a indústria brasileira, situação argentina serve de alerta para o País, diz o economista-chefe do Goldman Sachs para a América Latina, Alberto Ramos. “O excesso de gradualismo é uma estratégia de risco alto, que depois pode criar a necessidade de um ajuste econômico e social mais forte”, afirma, em referência a política de Macri de fazer um ajuste fiscal lentamente. O gradualismo é apontado por economistas como um dos responsáveis pela crise argentina.

 

Ramos destaca ainda que, no Brasil, se fala da necessidade de se fazer um ajuste desde o fim do primeiro mandato de Dilma Rousseff. Até agora, porém, muito pouco foi feito. “Estamos incubando vulnerabilidade.” O economista compara o cenário argentino atual com o do Brasil do fim de 2014, quando Joaquim Levy assumiu o ministério da Fazenda e as expectativas estavam desancoradas, o câmbio desvalorizado e a inflação subia apesar dos altas na taxa de juros básica, a Selic, impostas pelo Banco Central. “A situação argentina é muito parecida, mas num patamar muito maior.”

 

Janela de oportunidade

 

Para o economista Fabio Giambiagi, a crise no país vizinho mostra a “importância de não se perder uma janela de oportunidade” para fazer um ajuste. Na Argentina, diz ele, havia esse espaço no começo do governo Macri, quando o mercado estava de lua de mel com o presidente.

 

Giambiagi destaca, no entanto, que, apesar de também ter a necessidade de passar por um ajuste fiscal, o Brasil está em uma situação melhor que a da Argentina, pois não há descontrole de preços nem déficit de conta corrente. (O Estado de S. Paulo/Luciana Dyniewiez)