Na região do Grande ABC mulheres têm igualdade em montadoras

Diário do Grande ABC

 

Enquanto na maioria das empresas do setor automotivo do País as mulheres ainda recebam até 34% menos do que os homens, considerando que desempenhem as mesmas funções, na região as trabalhadoras já possuem equidade de salários, de acordo com o SMABC (Sindicato dos Metalúrgicos do ABC). Cerca de 10 mil colaboradoras atuam neste setor.

 

Os dados nacionais integram levantamento realizado pela Automotive Business em parceria com a MHD Consultoria, que entrevistou 127 empresas do ramo. A diferença de até 34% é notada entre os salários pagos a profissionais de ambos os sexos que ocupam o mesmo cargo. O maior percentual, no caso, vale para os que atuam na vice-presidência ou presidência, mas, mesmo entre estagiários, a pesquisa já indica diferença de 0,8%.

 

No Grande ABC, os salários pagos aos homens são iguais aos desembolsados a mulheres no mesmo cargo. “Em 2002, incluímos esta cláusula no acordo coletivo junto à federação do Estado. Hoje, as negociações com as montadoras são individuais, mas esta cláusula ainda é mantida”, disse a diretora executiva do SMABC, Michele Marques.

 

Quando se analisa o número de mulheres presentes na indústria automotiva, na média, no País, durante o grosso da crise econômica, entre 2013 e 2017, a participação feminina cresceu de 15% para 17%. Na região, no entanto, isso não foi observado. De acordo com o sindicato, atualmente a participação feminina na indústria automotiva da região é de 15,3%, o que representa cerca de 10 mil trabalhadoras no segmento, número que segue estável. “Faz 20 anos que este percentual gira em torno de 14% a 16%. Mesmo com toda a tecnologia dos dias atuais, o ramo ainda tem resistência de contratar mulheres na produção. A entrada da maioria é por meio do Senai, ou no setor administrativo”, afirmou Michele.

 

A sindicalista explicou que isso ocorre porque, “muitas vezes, no processo seletivo, além da prova teórica, a empresa faz testes de resistência física, nos quais a mulher é bem prejudicada. Apesar de ser capacitada para a função, eles alegam que ela não atinge o resultado”. “Ainda temos uma grande luta, e tentamos colocar uma cláusula de contratação de no mínimo 30% de mulheres, mas não conseguimos. Hoje, a orientação é a de que tenha diversidade”, assinalou a diretora.

 

Desafio extra

 

Outro desafio que as mulheres ainda enfrentam é relacionado aos cargos de liderança e às promoções. No País, a participação da mulher na liderança das empresas cresceu consideravelmente, com aumento de 52,7% em cargos de diretoria em 2017 na comparação com 2013. Apesar do avanço, o número ainda é pequeno, pois há somente 84 mulheres diretoras e 17 vice-presidentes e presidentes.

 

“No ambiente automotivo ainda há resistência, não tanto quanto no passado, mas ainda existe. Para alguns homens não é fácil aceitar ordens de uma mulher, por mais ultrapassado que isso seja. Precisamos de mais mulheres no setor, principalmente nos cargos de chefia. Hoje, se ela entra como operadora de máquina, se aposenta na mesma função”, disse.

 

Segundo o levantamento, impulsionaram a expansão da presença feminina nos cargos de liderança: pressão das matrizes globais; mudanças culturais e, com elas, maior empoderamento feminino; aumento da capacitação delas para algumas posições; poder de inovação e criatividade da mulher com geração de resultados em período de crise; adoção de políticas afirmativas e metas de participação feminina nas empresas; e educação menos conservadora das novas gerações.

 

Apesar de ter presença menor na liderança, a mulher é mais escolarizada. Ao todo, 37% delas têm ensino superior completo e, 8%, especialização. Entre os homens, 23% cursaram superior completo e, 6%, especialização.

 

Elas são protagonistas no mundo dos pesados

 

Apesar de ainda serem em menor número, as mulheres que decidem ingressar na indústria automotiva conseguem superar obstáculos para a consolidação de suas carreiras. Embora o percurso a ser seguido seja mais árduo do que o de um homem, a partir de especialização elas conseguem imprimir sua marca nas empresas do setor automotivo.

 

Regiane de Paula Pedro, 34 anos, começou a trabalhar na Mercedes-Benz, em São Bernardo, como menor aprendiz aos 15, por meio de um curso de mecânica geral no Senai. Ela foi a primeira mulher a entrar na área de manutenção de máquinas empresa.

 

“Comecei na linha de produção no cargo de montadora. Depois que fui efetivada, acabei passando por série de treinamentos na empresa e, após passar por processo seletivo, dois anos depois, entrei na área de manutenção. Foi quando me encantei por esse universo”, contou.

 

Segundo Regiane, responsável pelo conserto de máquinas da linha de produção, no início as pessoas estranharam. “Muitos achavam que eu não seria capaz de fazer algo por receio de me machucar, por exemplo. É claro que a força bruta das mulheres é diferente, mas há técnicas para conseguirmos o mesmo resultado e quebrar essas barreiras.” Após a entrada na montadora, ela se formou em engenharia mecatrônica e também fez intercâmbio nos Estados Unidos. “Consegui dar uma melhora considerável na qualidade de vida da minha família, já que meu pai é motorista de caminhão e, minha mãe, dona de casa.”

 

Na Scania, montadora de caminhões localizada na mesma cidade, a engenheira Roberta Serra Negra, 42, é gerente executiva da fábrica de cabinas e comanda equipe de 450 funcionários. Ela começou como estagiária de engenharia na produção em 1995. “Era bastante incomum. O gestor da época queria trazer mulheres para a produção. Desde o início, houve relação de respeito e eu sempre tive ambiente tranquilo de trabalho. Muitas vezes você precisa construir isso e sente que duvidam da sua capacidade, então tem que trabalhar mais e demonstrar resultados. Quem tinha alguma dúvida, já começa a te respeitar quando você começa a entregar resultados”, contou.

 

Na montadora, o número de mulheres cresceu 34,5% nos últimos três anos. Neste período, em índice que se mantém estável, elas também ocupam 18% dos cargos de liderança na empresa. “Foi num período de dez anos para cá que as mulheres começaram a se inserir mais no processo. Nós vemos aumentar o número de candidatas e, atualmente, 8% da produção (36 funcionárias) são mulheres. É um número que poderia ser melhor e é o que nós queremos. Mas quando estudava, éramos duas ou três numa classe de 50 pessoas. Em vagas de linha de produção nem apareciam mulheres. Isso tem melhorado bastante. As candidatas hoje têm muita confiança e não se enxergam diminuídas pelos homens, o que é muito importante”, contou ela, que também é pós-graduada em logística.

 

Sobre o dia a dia, Roberta afirmou que a atividade é bem dinâmica, e que consegue ter muitos momentos no chão de fábrica. “Não tem rotina. Temos reuniões, definições de estratégias, mas gosto de ficar no chão de fábrica, onde tenho a informação em tempo real.”

 

As duas aproveitam os bons momentos das empresas para seguir crescendo. A Mercedes acaba de investir R$ 100 milhões para modernizar a planta – parte de aporte de R$ 2,4 bilhões até 2022 – e a Scania injetou em 2018 R$ 340 milhões, também para ampliar a tecnologia em sua linha.

 

Única diferença é a força, mas muitas coisas fazemos melhor’, diz Ivonete

 

Há 24 anos na Ford, Ivonete Rodrigues, 52, veio trabalhar em São Bernardo junto com a produção de caminhões da montadora, em 2001, que à época funcionava no Ipiranga. Ela atuou por 19 anos na linha dos pesados, e agora está na área de logística está na logística. “Fui discriminada por alguns homens principalmente por ser mais fraca fisicamente, mas isso foi mudando ao longo do tempo. Por isso é muito importante trabalhar no meio deles. A única diferença entre nós é a força, de resto, somos iguais. E muitas coisas fazemos até melhor.”

 

Sua colega Tatiane Rodrigues, 37, que há 11 atua na área de pintura da montadora, contou que o maior desafio é ser vista como capaz. “Seria importante estimular a maior presença da mulher para igualar o setor, pois capacidade nós temos. De uns anos para cá, exercemos as mesmas funções que eles, sendo que, algumas vezes, atuamos onde alguns homens não trabalham”, afirmou.

 

O temor de que a Ford feche em novembro, após anúncio de que a montadora não vai mais produzir caminhões, porém, mudou os planos de ambas; enquanto Ivonete quebra a cabeça para pensar como vai se aposentar, Tatiane posterga sonho da maternidade. (Diário do Grande ABC/Soraia Abreu Pedrozo e Yara Ferraz)