Bicos para apps aquecem venda de carros e motos

O Estado de S. Paulo

 

A precariedade do mercado de trabalho e a popularização dos transportes de passageiros e cargas por aplicativos ajudaram a sustentar a demanda doméstica por automóveis e motocicletas no País no último ano, apontam especialistas.

 

Apesar da queda nas exportações para a Argentina e do orçamento ainda restrito das famílias brasileiras, a produção nacional de carros e motos mantém crescimento expressivo. A fabricação de automóveis nos 12 meses encerrados em janeiro subiu 9,3%, enquanto a de outros equipamentos de transporte – que é majoritariamente formado por motocicletas – cresceu 14%. Os dados são da Pesquisa Industrial Mensal, apurada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

 

“Tem uma demanda doméstica que pode ter sim uma relação direta com toda essa movimentação (de aumento de motoristas por aplicativo). Os dados corroboram essa leitura, especialmente levando em consideração a queda no comércio exterior. O setor permanece no positivo, embora tenha perdido dinamismo”, ressaltou André Macedo, gerente da Coordenação de Indústria do IBGE.

 

A dificuldade de encontrar um emprego impulsionou o aumento no número de trabalhadores no setor de atuando como motorista de aplicativos. Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), também do IBGE, mostram que havia 201 mil pessoas a mais atuando no segmento de transporte e correio no trimestre terminado em janeiro, em relação a um ano antes. O Instituto de Pesquisa econômica Aplicada (Ipea) calcula que, no ano passado, o total de trabalhadores atuando por conta própria no setor de entregas saltou 104,20%.

 

O IBGE não consegue detectar as compras de automóveis por pessoas físicas que usam o veículo como ferramenta de trabalho. “A aquisição de veículos feita por locadoras foi muito maior do que em anos anteriores. Então a gente subentende que o aumento da frota não é porque tenha muito mais gente alugando carro para passear. É gente que foi alugar para trabalhar”, explicou Claudia Dionísio, gerente da Coordenação de Contas Nacionais do IBGE.

 

O motorista Victor Hugo Oliveira, de 30 anos, trabalhava em uma produtora de eventos antes de começar a transportar passageiros via aplicativo. O automóvel que usa para trabalhar é seminovo, adquirido em 2017. No ano passado, ele comprou mais um carro, ao enxergar a nova profissão como uma oportunidade de investimento. O segundo veículo está atualmente alugado para um amigo. “O outro motorista trabalha com ele direto. É isso que sustenta a minha família”, relatou Oliveira.

 

Motocicletas

 

A Abraciclo, entidade que reúne os fabricantes de motocicletas, acredita que a melhora no crédito tenha possibilitado o avanço tanto na produção quanto nas vendas internas em 2018, puxado pelo segmento mais barato. “A demanda por motocicleta de baixa cilindrada representou cerca de 80% das vendas. São motocicletas de baixo valor”, disse José Eduardo Gonçalves, diretor executivo da Abraciclo.

 

Há duas semanas, o motociclista Wesley Freitas Gomes, de 35 anos, começou a entregar refeições solicitadas por aplicativo. Ele trabalha com sua motocicleta no centro do Rio, todos os dias, de 11h às 17h40. À noite, dá expediente na pizzaria da família, no bairro onde mora, na zona norte. “Vale a pena. Tem dia que é muito bom, dá para tirar até R$ 200. Quando está chovendo ninguém quer sair na rua, todo mundo pede comida”, contou Gomes, que disse ter dois primos exercendo a mesma atividade.

 

O diretor executivo da Abraciclo aponta que a maioria dos compradores das motocicletas de baixa cilindrada é das classes de renda C, D e E. “Por falta de emprego, acabam entrando nesses aplicativos que oferecem serviços de entrega”, diz Gonçalves, da Abraciclo.

 

A produção de motocicletas de baixo custo atingiu 824 mil unidades em 2018, alta de 17,8% sobre o ano anterior. O primeiro bimestre de 2019 começou aquecido, com alta de 14% na fabricação desses produtos e salto de 24,9% nas vendas, de acordo com a entidade.

 

A Cabify afirmou que houve um crescimento de 40% no total de motoristas de sua base no ano passado. A Uber – dona também do serviço de delivery Uber Eats – afirma que atualmente tem 600 mil motoristas cadastrados no País, atendendo a 22 milhões de usuários. (O Estado de S. Paulo/Daniela Amorim)