O Estado de S. Paulo
Enquanto a Ford está com as operações paradas em protesto dos trabalhadores contra o anúncio do fechamento da fábrica de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, a vizinha Volkswagen vai suspender parte da produção por 12 dias, a partir do dia 25, por razões totalmente diferentes. A empresa dará férias coletivas a cerca de 4,5 mil funcionários para preparar as instalações para a produção de novo carro, um modelo inédito desenvolvido no País.
Por enquanto, o presidente da empresa na América Latina, Pablo Di Si, não dá detalhes sobre o novo carro, que está na lista dos 20 lançamentos prometidos pela empresa entre 2016 e 2020. “Faltam oito, dos quais quatro serão lançados neste ano e quatro no próximo”, diz.
De acordo com sindicalistas que negociaram o novo projeto com a Volkswagen, trata-se de um carro compacto, com características de utilitário-esportivo (SUV). “O que posso dizer é que, daqui para frente, vamos focar nos SUVs, que é a tendência do mercado global e também do brasileiro e modelos de segmento superior”, afirma Di Si. “Os modelos ‘populares’ não vão desaparecer, mas o segmento vai encolher.”
O executivo diz ter a tarefa de levar o grupo ao equilíbrio financeiro neste ano, após pelo menos cinco anos de prejuízos que podem ter chegado a R$ 4 bilhões, segundo fontes do mercado. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida na última quinta-feira.
Como está a situação da Volkswagen neste contexto de anúncio de fechamento da fábrica da Ford e ameaça de suspensão de investimento por parte da GM?
Estamos numa situação diferente, de investimento, de crescimento, de uso de novas tecnologias. Seguimos com nosso plano anunciado em 2016 de investir R$ 7 bilhões até 2020 e de lançar 20 produtos. Até hoje lançamos 12. Faltam oito – quatro para este ano e quatro para 2020. E espero nos próximos meses anunciar um novo ciclo para 2021 a 2025.
Do que depende esse anúncio?
Primeiro estamos desenhando os carros, pois temos um mapeamento de mercado futuro, segmentos que vão crescer mais. Também precisamos negociar com as partes interessadas: sindicatos, rede de concessionários, governos do Estados de São Paulo e do Paraná, onde temos fábricas. Precisamos fechar todas as frentes antes de fazer um anúncio. Não posso entrar nos detalhes, mas quando vejo o conjunto estou feliz com os avanços. Ainda precisamos dar alguns passos. Com os sindicatos está bem encaminhado, com acordos de flexibilização de jornada, produtividade, absenteísmo em níveis razoáveis. Estamos melhorando nossas fábricas. Com os concessionários estamos discutindo margens de lucro e novos formatos de vendas, como as lojas digitais. Com fornecedores temos um trabalho conjunto para melhorar qualidade e reduzir custo.
E com os governos?
Estamos conversando com o governo de São Paulo há 1,5 ano, principalmente o tema dos créditos do ICMS. O governador (João Doria) publicou na semana um decreto que é ótimo. Envolve investimentos, empregos e redução de até 25% na alíquota do ICMS. Mesmo sem saber ainda os detalhes desse programa, veja como um passo na direção correta, é um entendimento de que tem um problema a ser resolvido. Mas, para a Volkswagen, e acho que para a maior parte das indústrias, não resolve o problema principal, que são os créditos das exportações. Ninguém está falando de subsídio. Quero o dinheiro que pertence à Volkswagen. Nós somos historicamente a maior exportadora da indústria automobilística brasileira. Exportamos entre 130 mil e 160 mil carros ao ano. Quando compramos as peças do carro, pagamos em média 14% de ICMS, mas exportamos o carro com ICMS zero. Isso gera um crédito, um dinheiro que o governo nos deve e que tenho de colocar no balanço financeiro. Alguns Estados, como o Paraná, resolveram isso e não geram créditos. São Paulo tem devolvido o crédito de forma espaçada, o que não resolve o problema de forma estrutural.
Segundo fontes do mercado, a Volkswagen tem mais de R$ 1 bilhão em créditos a receber. Isso pode influenciar na escolha de locais para investir?
Não posso falar em valores. Queremos exportar mais e temos fábricas em São Paulo e no Paraná, e também na Argentina. Então, claro, podemos escolher qual delas seria melhor. O T-Cross, nosso primeiro SUV nacional feito no Paraná será exportado para 50 países, inclusive de fora da América Latina, como Egito, Argélia, Tunísia e outros 20 países da região subsaariana. Nosso portfólio do futuro vai ganhar mais SUVs, que são veículos de maior valor agregado. Quanto maior o valor do carro mais ICMS vai acumular. É um tema que precisa se resolvido. Estamos acumulando entre R$ 3 mil a R$ 4 mil em ICMS por carro exportado, dependendo do modelo, e isso vale para as outras empresas também. Quando a indústria investe no Brasil não é só para o mercado interno. Precisamos concorrer com o mundo, e essa questão é só uma das várias ineficiências que temos. Precisamos ir eliminando essas ineficiências.
É fato que a Volkswagen perdeu R$ 4 bilhões nos últimos cinco anos no Brasil?
Não reportamos resultados por país ou região. Temos um objetivo arrojado, mas possível, de encerrar este ano no break-even (equilíbrio) em nossas finanças. Temos prejuízos, como todos, claro. Mas mais importante do que olhar o passado é olhar o futuro e virar essa chave. Os acionistas não vão continuar investindo aqui pelo resto da vida. Nós acreditamos no Brasil no curto e médio prazo, mas há um plano que precisa ser executado.
Vocês são cobrados pela matriz a voltar ao lucro ainda este ano, como ocorreu com a GM?
Claro que temos cobrança. Chegar ao break even nesse ano é uma cobrança. Todas as empresas são pressionadas. A forma que cada uma faz isso é que pode ser diferente. Se eu peço ao acionista dinheiro para investir e prometo um retorno, preciso cumprir.
E os resultados de vendas?
Na semana passada, em reunião mundial com analistas na Alemanha, da qual participei por conference-call, foram apresentados os resultados do grupo e a América do Sul é a que mais cresce em vendas, alta que se deve principalmente ao Brasil, o maior mercado da região. Em todo o ano passado já tínhamos crescido 13,1%, enquanto nossas vendas globais aumentaram 0,2%, com a Europa crescendo 3,6%, a América do Norte caindo 3% e a China, 2,1%. Nos dois meses deste ano, as vendas na América do Sul cresceram 15,9%, sendo que o Brasil, sozinho, teve alta de 49,8%. No mundo todo, o crescimento da marca caiu 2,9% no período.
Parte dos funcionários do ABC entrará em férias coletivas neste mês. É para preparar a fábrica para a produção de um novo carro, um compacto com estilo de SUV, segundo o sindicato local. Que carro é esse?
Dentro dos 20 lançamentos que estamos fazendo vamos ter mais um em São Bernardo, mas ainda não posso revelar qual. Estamos em plena preparação. Já está tudo negociado com o sindicato e o lançamento será em 2020, ou ainda este ano. O que posso falar é que nossos novos carros vão para o segmento superior, seja um SUV ou um CUV (intermediário entre sedã e SUV).
Não vai ter mais carro popular, ou de entrada?
O popular não vai desaparecer, mas o segmento vai encolher. É o mesmo que está acontecendo com os sedãs – é um ótimo carro, mas está sendo comido pelos CUVs e pelos SUVs. Esses segmentos são os que mais crescem no Brasil e no mundo, e a Volkswagen também vai entrar nessa ofensiva.
Carros pequenos, com motor 1.0, ainda respondem por 35% das vendas. A indústria deixar de fora do mercado essa faixa de consumidores?
Precisamos ver dez anos para trás e dez anos para frente. Em 2020 a 2025, com o programa Rota 2030, haverá mudanças para atender níveis de emissões e de segurança dos veículos, o que é positivo para o consumidor. Se olhamos para 2002, 2003, os carros não tinham a segurança que têm hoje e que será ainda maior em 2025. Alguns desses modelos morreram porque não conseguiram passar no crivo da segurança veicular atual. Um exemplo é a Kombi, um carro icônico, mas que não dava para ter airbag. Para atender as novas normas, muitos dos populares de hoje não vão passar pelo no crivo da segurança. A segurança é maior, mas o produto fica mais caro. Não significa que não vai ter mais carros pequenos. Eles vão continuar existindo, mas ao colocar maior segurança, mais conectividade, o preço vai mais para cima. Não tem como fazer diferente. É um processo e estamos vivenciando isso na Europa, nos EUA. Agora, se tivéssemos um volume grande de produção para o mercado interno e exportação, conseguiríamos reduzir o custo. Para isso, reformas são fundamentais. Já foi um ótimo passo a reforma trabalhista. Mas são necessárias outras mudanças, como a reforma da Previdência e tributária.
A indústria sempre alega falta de competitividade para exportar. O sr. anunciou que vai exportar o T-Cross, que será lançado em abril, para 50 países, inclusive de fora da América Latina, como Egito, Argélia e Tunísia. Como a empresa conseguiu isso?
Não vamos ter a melhor rentabilidade nos negócios. Não vamos perder dinheiro, mas o retorno sobre o investimento será muito pequeno.
Então, por que vai exportar?
Se ficarmos a vida inteira na América Latina olhando para cima vamos perder no longo prazo. Aprendi isso com erros do passado. Precisamos buscar novos mercados, mesmo que não tenham a rentabilidade ideal. Se temos um produto de plataforma global, com super design, super conectado temos de exportá-lo. Preferimos começar, mesmo sabendo que não é o mundo ideal, e continuar trabalhando aqui no País para conseguir melhorar nossa eficiência. Tenho de olhar minhas ineficiências enquanto fábrica e trabalhar com os outros parceiros para melhorar como País. Não podemos perder mais tempo. No ano passado exportamos 32% da nossa produção. Com T-Cross essa participação deve aumentar. (O Estado de S. Paulo/Cleide Silva)