O Estado de S. Paulo/Agências Internacionais
O executivo brasileiro Carlos Ghosn, que há quase duas décadas ajudou a orquestrar a união entre a francesa Renault e a japonesa Nissan, foi preso nesta segunda-feira, 19, no Japão. Conhecido pela capacidade de cortar custos e recuperar em negócios em crise, Ghosn, de 64 anos, é acusado de fraudar sua declaração de renda e de usar recursos corporativos para benefício pessoal. A investigação foi originada a partir de uma denúncia interna e teve a colaboração da Nissan nos últimos meses. Analistas veem o caso como uma ameaça à aliança Renault-Nissan, selada há quase 20 anos.
O escândalo ocorre um ano após o executivo deixar o comando do dia a dia das operações da Nissan – ele, no entanto, manteve-se à frente do grupo que reúne as três montadoras, cargo no qual havia expressado o desejo de permanecer pelo menos até 2020. Ontem, diante da magnitude do problema, a Nissan divulgou uma nota pedindo “sinceras desculpas” pelas dificuldades que a investigação causará a acionistas e parceiros. A montadora japonesa marcou uma reunião do conselho para a próxima quinta-feira, na qual será votada a demissão de Ghosn. A saída do executivo é dada como certa.
A apuração das autoridades japonesas envolveu práticas Ghosn e do executivo americano Greg Kelly. “A investigação mostrou que, por muitos anos, tanto Ghosn quanto Kelly informaram valores de remuneração no relatório de valores mobiliários da Bolsa de Valores de Tóquio que eram menores do que a quantia real, para reduzir a quantia divulgada da remuneração de Carlos Ghosn”, disse a Nissan, em um comunicado.
Após anos de êxito na França, Ghosn chegou ao Japão com fama de superestrela corporativa. Um dos raros casos de estrangeiro que conseguiu se manter no topo de um grupo japonês, o brasileiro se tornou tão célebre que sua história de vida chegou a ser contada em no estilo anime. A reverência tem razão de ser. Na Renault desde 1996, teve papel fundamental na união com a Nissan, em 1999. O grupo também inclui a Mitsubishi desde 2016. Juntas, as três montadoras venderam 10,8 milhões de unidades em todo o mundo em 2017 – mais do que o volume individual de Toyota, Volkswagen e GM.
Na Nissan, Ghosn é creditado por salvar a japonesa do colapso financeiro. Ele implementou uma série de mudanças na companhia, incluindo o fechamento de cinco fábricas, o que resultou na demissão de 21 mil trabalhadores. O executivo defendia que o mercado global de veículos de passeio era muito pulverizado. Por isso, adicionou a Mitsubishi à aliança. Outra “causa” do executivo foi o investimento em carros elétricos antes das rivais.
Riscos
A prisão do executivo brasileiro teve impacto direto nas ações da Renault, que fecharam em queda de 8,43% na Bolsa de Paris. Pela manhã, os papéis chegaram a recuar 13%. A saída de Ghosn deve levantar questões sobre o futuro da aliança que ele moldou e se comprometeu a consolidar e aprofundar ao longo dos próximos dois anos. “A reação inicial das ações mostra como ele é fundamental nesse processo”, disse à Reuters o analista do Citigroup, Raghav Gupta-Chaudhary.
Para muitos analistas, o executivo é a “cola” que vem mantendo a aliança coesa. Já houve casos de fusões do setor automotivo que tiveram de ser desfeitas, caso da Daimler-Chrysler, que afundou em 2007. (O Estado de S. Paulo/Agências Internacionais)