O Estado de S. Paulo
Diplomatas do Mercosul deixaram o primeiro dia de negociações com a União Europeia frustrados com a postura de Bruxelas. O sentimento na delegação sul-americana é de que os europeus estão exigindo concessões da parte do Mercosul, sem apresentar contra-partidas suficientes, principalmente no setor agrícola.
Em negociação há 18 anos, o acordo de livre comércio entre Mercosul e Europa passou a uma fase crítica nesta semana. Bruxelas teme que, com um novo governo no Brasil, as chances de um entendimento sejam reduzidas e que os interesses americanos possam ampliar sua presença comercial no Cone Sul.
A UE decidiu convidar uma delegação do Mercosul para tentar, nesta semana em Bruxelas, avançar na negociação, romper o impasse e oferecer, aos ministros dos dois blocos, a possibilidade de fechar um acordo a partir da semana que vem.
Mas, ao final do primeiro dia de encontros, o resultado foi considerado como “decepcionante”. Os europeus haviam solicitado concessões do Mercosul, principalmente no setor automotivo e na harmonização de normas para a venda de carros. Isso inclui desde segurança até meio ambiente, além de especificações sobre peças.
Para o Mercosul, essa harmonização é considerada como delicada, já que colocar os padrões no mesmo pé de igualdade dos europeus significa fechar outros mercados consumidores. Ainda assim, o bloco esteve disposto a mostrar avanços.
Os europeus também querem medidas especiais para proteger produtos como vinhos, queijos e itens de alto valor agregado.
Mas os negociadores sul-americanos sentiram que não foram correspondidos e que os europeus não mostraram sinais de que estão dispostos a fazer concessões em áreas de interesse do Mercosul.
Diplomatas ainda aguardam para ver como serão os próximos dias de negociação. Mas se a posição europeia prevalecer, dificilmente haverá um acordo.
O Mercosul considera que o acesso oferecido para a exportação de carnes e de etanol está “longe” do que se imaginava que seria um acordo comercial. Para os europeus, porém, uma decisão nesse sentido seria “política” e apenas ministros poderiam fazer.
O temor do Mercosul é de que a UE esteja tentando extrair o máximo de concessões por parte do bloco sul-americano, sem dar uma sinalização clara de como podem ganhar com o acordo. “Eles parecem plantados em suas posições originais”, apontou um negociador do Mercosul, na condição de anonimato.
Ao Estado, fontes em Bruxelas revelaram que a Comissão Europeia foi duramente freada por um grupo de países, depois que ficou claro que o Executivo do bloco queriam acelerar um acordo. Na última sexta-feira, os comissários europeus receberam um alerta claro de algumas capitais de que concessões não seriam facilmente aceitas internamente.
O governo da França, por exemplo, insiste que não se pode nem acelerar um processo negociador e nem ceder, apenas para que um acordo seja atendido.
Bruxelas não nega a existência de uma tensão entre a Comissão Europeia e Paris no que se refere ao Mercosul. Se os europeus estariam dispostos a negociar, o sentimento é de que a França, Irlanda e países que tradicionalmente protegem seu setor agrícola estariam usando todas as oportunidades possíveis para justificar a criação de um impasse no processo negociador. (O Estado de S. Paulo/Jamil Chade)