A indústria reclama

O Estado de S. Paulo

 

A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) expressou preocupação com a falta de solidez das propostas dos candidatos à Presidência para o setor industrial. De fato, é crucial que aqueles que pretendem ocupar a Presidência tenham claro o que pretendem fazer para estimular a produção, condição essencial para tirar o País da crise. No entanto, o modelo defendido nesta campanha eleitoral por uma parte da indústria, notadamente o setor automobilístico, é aquele que já se provou incapaz de dinamizar a economia – ao contrário, viciou as empresas em subsídios e benefícios sem que, com isso, o País tenha experimentado o desenvolvimento esperado.

 

O caso da indústria automotiva é notável. Desde que se instalaram no Brasil, nos anos 50, as montadoras de veículos recebem todo tipo de incentivo, sob o pretexto de que se trata de uma cadeia produtiva com enorme potencial de geração de empregos e de dinamização econômica. Passado mais de meio século, contudo, essas indústrias ainda reivindicam privilégios tributários e proteção contra a concorrência internacional, como se fossem incapazes de se sustentar e se expandir por suas próprias forças.

 

Recentemente, o presidente da Anfavea, Antonio Megale, manifestou preocupação com as propostas de abertura comercial que a candidatura de Jair Bolsonaro tem defendido na campanha. Megale disse que não é contra a abertura, desde que seja feita num prazo de 15 anos e carência de 5 a 7 anos antes de a alíquota do Imposto de Importação, hoje de 35%, começar a cair. De acordo com esse raciocínio, o setor automotivo ainda precisaria de mais 15 anos para se preparar para enfrentar a concorrência estrangeira, pois 60 anos não foram suficientes, mesmo com todos os bilionários incentivos estatais.

 

Os benefícios fiscais concedidos às montadoras em 2019 devem chegar a R$ 7,2 bilhões, um formidável salto, de mais de 200%, em relação aos R$ 2,3 bilhões previstos para este ano. Estimativas da Receita Federal indicam que a renúncia fiscal entre 2008 e 2019 somará R$ 39 bilhões, dinheiro que poderia ter sido investido em áreas essenciais para o País, como educação, saúde e infraestrutura. A esse montante devem ser acrescentados cerca de R$ 2,1 bilhões em incentivos previstos pelo programa Rota 2030 em troca de investimentos das indústrias automotivas em eficiência energética. Tudo isso em nome da modernização tecnológica e do desenvolvimento regional, objetivos que ainda estão muito distantes – afinal, as grandes empresas tomam decisões sobre seus investimentos com base em oportunidades de negócios a custos mais baixos e tendo em perspectiva a ampliação de mercado. Os incentivos fiscais servem apenas para incrementar os ganhos já esperados – mas isso não significa que as indústrias aceitem abrir mão deles, e não é incomum que haja ameaças de interromper a produção e fechar fábricas se os benefícios forem suspensos.

 

Assim, não surpreende que a candidatura de Lula da Silva, representado na campanha por seu preposto Fernando Haddad, angarie mais simpatia de setores industriais beneficiados pelo governo, por ter perfil mais “desenvolvimentista”, isto é, que preconiza o Estado como o motor do desenvolvimento, modelo que pautou os governos petistas e que está na gênese da atual crise.

 

O setor automotivo, ademais, tem uma longa relação com o petismo, desde os tempos em que o hoje presidiário Lula da Silva era líder do Sindicato dos Metalúrgicos. Não à toa, as montadoras tiveram total apoio do sindicato, ligado ao PT, na defesa do programa Rota 2030, a despeito das duras críticas do Ministério da Fazenda em relação aos muitos benefícios ali previstos.

 

As difíceis condições fiscais do Brasil não permitem mais que setores robustos da economia continuem a absorver recursos públicos que deveriam estar sendo usados em áreas relevantes para o conjunto da sociedade. As boas intenções desse tipo de política já não bastam – é preciso que haja resultados, e estes, até este momento, não justificam o esforço. (O Estado de S. Paulo)