Setor automobilístico é ignorado por presidenciáveis

Diário do Grande ABC

 

Apesar de sua importância para a indústria automotiva, o programa do governo federal Rota 2030, que prevê incentivos fiscais ao setor mediante investimento em P&D (Pesquisa e Desenvolvido), não é mencionado no plano de governo dos cinco principais candidatos à Presidência da República, assim como qualquer estímulo ao setor, que é a força motriz da economia do Grande ABC, que concentra seis montadoras. O fato preocupa, principalmente porque a maioria dos presidenciáveis fala em cortes de incentivos fiscais para equilibrar as contas públicas, porém, sem mais detalhes sobre o assunto.

 

Apesar de ter sido anunciado em julho – com atraso de alguns meses, uma vez que o programa antecessor, o Inovar-Auto, expirou em dezembro –, o Rota está como MP (Medida Provisória) e não foi transformado em legislação definitiva, o que só deve ocorrer em janeiro do ano que vem, ou seja, a responsabilidade de sua validação é do governo eleito. Nos últimos 25 anos, o Brasil nunca ficou sem política de incentivo ao setor automotivo.

 

A candidata a vice-presidente de Ciro Gomes, Kátia Abreu (ambos do PDT), afirmou que seu plano de governo propõe redução de 15% das desonerações tributárias. Questionada sobre como ficaria o Rota neste cenário, ela disse que ele não está incluído, mas também não garantiu que o incentivo será concedido.

 

A senadora ainda afirmou que, apesar de justo, o pleito da região por ajuda para o setor industrial superar a crise precisa ser avaliado junto às demandas do restante do País.

 

“Tivemos, nos últimos cinco anos, encolhimento muito forte da indústria brasileira, e tanto a evasão de empresas quanto o fechamento delas vem acontecendo paulatinamente. Nenhum país do mundo fez com sua própria indústria o que o Brasil conseguiu fazer (em termos de incentivos). Os industriais são culpados? Não existe culpa neste sentido. Os industriais estão colocados. Tem que dizer você vai ter crédito, juros, mas precisa melhorar sua performance”, assinalou. “Eu também, Estado, governo, vou dar impostos compatíveis e investir em tecnologia para que você fique independente. Um filho independente que vai trabalhar e ganhar seu próprio salário. A indústria brasileira nunca teve isso, sempre foi aquele filho que queria tudo, por autoproteção. O Estado não deu contrapartida para se fortalecer. Só aceitou todos os brinquedos: protecionismo, protecionismo.”

 

Por meio da assessoria, a candidata Marina Silva (Rede) afirmou que enxerga com bons olhos os incentivos do programa “à produção de veículos elétricos e à definição de critérios mínimos de eficiência energética e segurança veicular para automóveis comercializados no Brasil”, referindo-se ao Rota, mas não informou se deve haver corte no programa, já que seu projeto pretende fazer revisão completa das renúncias fiscais, mantendo os que são considerados prioritários.

 

O programa do candidato do PT, Fernando Haddad, fala na ampliação da capacidade da indústria com a diversificação das matrizes produtivas e energéticas de forma sustentável, a ampliação do empreendedorismo e o crédito cooperado. Apesar de não mencionar corte fiscal, o petista fala que é importante realizar reforma tributária.

 

Geraldo Alckmin (PSDB) cita como prioridades políticas atos que permitam às regiões Norte e Nordeste desenvolver potencialidades em áreas como energias renováveis, turismo industrial, agricultura e economia criativa. Além disso, o programa fala sobre o desenvolvimento da indústria 4.0 (que incorpora tecnologia) e, para cortar gastos, o combate de desperdícios e despesas.

 

Líder nas pesquisas, o candidato Jair Bolsonaro (PSL) diz, no seu plano de governo, sobre estímulo à inovação e ao investimento em novas tecnologias. Além disso, cita a requalificação profissional e o apoio a startups como essenciais. O candidato afirma que a redução de renúncias fiscais e o controle dos gastos no setor público são necessários para equilibrar as finanças do País. As propostas dos candidatos constam no site do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

 

Para especialistas e entidades da indústria, cenário traz preocupações

 

Segundo especialistas e representantes do setor industrial na região, o cenário político é alvo de preocupação. Além do temor de que o Rota 2030 não saia do papel ou sofra mudanças, eles veem necessidade de política industrial com maior detalhamento.

 

Enquanto isso, empresários enfrentam os últimos meses de 2018 em compasso de espera pelas definições do próximo governo. “Em relação ao que se desenha no segundo turno (possível embate entre Fernando Haddad e Jair Bolsonaro) há uma preocupação do empresariado, porque temos um histórico do que aconteceu no governo do PT com a crise e também pelo outro candidato, que é novo, mas também traz dúvidas sobre a economia”, afirmou o diretor do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo) Santo André, Norberto Perrella. “Neste momento, todo mundo tira o pé do acelerador porque não há mais certezas. Além do receio sobre o Rota 2030, não vemos política industrial clara.”

 

Para o professor de Economia e especialista em finanças públicas da UFABC (Universidade Federal do ABC), Fábio Henrique Bittes Terra, todos os candidatos concordam que o gasto tributário é problemático. “A diretriz geral é a de revisão dos benefícios de desoneração para atuar nesta questão. Neste âmbito, fica difícil localizar o papel do Rota 2030, tendo em vista tudo o que foi dito em debates e na campanha, que não incluíram a indústria automobilística. Ainda mais que questões econômicas influenciam pouco nesta reta final das eleições”.

 

Para o diretor titular do Ciesp Diadema, Anuar Dequech Júnior, 2018 foi praticamente perdido para o setor industrial da região. “O ano começou muito bem, com perspectiva de crescimento, mas teve a greve dos caminhoneiros, Copa do Mundo e, agora, as eleições. Os negócios estão praticamente parados, os poucos que ainda continuam em andamento estão a passos lentos, também à espera de uma definição”.

 

Debates são marcados por polarização

 

O tom político dos últimos debates com candidatos à Presidência da República é marcado pela polarização. Com o cenário que mostra Jair Bolsonaro à frente da corrida eleitoral, os políticos têm intensificado os ataques ao seu perfil. Já Fernando Haddad defende o legado dos governos petistas e tenta convencer os eleitores do ex-presidente Lula de que é capaz de devolver o mesmo cenário ao País.

 

Além disso, temas como corrupção e Operação Lava Jato são pautas recorrentes, mas assuntos econômicos são alvos de poucas perguntas. Um dos destaques nos primeiros embates foi o programa do presidenciável Ciro Gomes, que fala sobre a retirada do nome dos eleitores da lista do SPC (Serviço de Proteção ao Crédito) por meio de parcelamento do saldo devedor. O candidato Haddad também apresentou proposta semelhante voltada aos endividados, assim como baixar impostos de bancos que oferecerem crédito barato.

 

Marina Silva tem pautado a questão das reservas indígenas e a necessidade de política pública para a resolução deste problema. A candidata expressa preocupação com o feminicídio e a violência contra a mulher, além da necessidade de criar programa para combater o problema.

 

Geraldo Alckmin destaca posicionamento favorável à reforma trabalhista, que extinguiu o imposto sindical. O ex-governador falou sobre o problema dos juros dos bancos nacionais e a necessidade de estimular a competitividade do setor, uma das poucas pautas econômicas. (Diário do Grande ABC/Yara Ferraz  e Fábio Martins)