O Estado de S. Paulo
É assustadora a facilidade dos candidatos à Presidência da República de formularem promessas, na espinhosa tarefa de angariar votos. São cinco pretendentes a duas vagas que darão o direito de passagem ao segundo turno. O desencanto geral dos eleitores, aliado ao desprestígio dos partidos, indica que nenhum deles conseguirá alcançar, em 7 de outubro, a maioria absoluta exigida pela Constituição.
O panorama é trágico. Com o Tesouro Nacional exaurido, a saúde, a educação, a segurança, a infraestrutura, o mercado de trabalho em frangalhos, o próximo presidente receberá um país necessitado de reconstrução desde os alicerces, com o exíguo prazo de quatro anos para entregá-lo em razoáveis condições ao sucessor.
O Brasil já foi melhor. Embora na condição de subdesenvolvido, com extensas regiões de miséria, em determinados períodos deu demonstrações de força e conseguiu crescer entre 6% a 10% ao ano. Alcançou a posição de 6.ª potência econômica graças, sobretudo, à vitalidade do parque industrial, cuja expansão teve início no governo de Juscelino Kubitschek (1956-1960) com o plano de desenvolvimento conhecido como “50 anos em 5”, em que a construção de Brasília, no remoto planalto central, apresentava-se como objetivo mais arrojado.
Folheando velhas revistas da década de 1970, lembro-me do mercado de trabalho superaquecido, no qual escasseava mão de obra qualificada e não qualificada, necessária às indústrias automotivas, de autopeças, de máquinas e ferramentas, de fiação e tecelagem, da construção civil. São Paulo havia se transformado em vibrante canteiro de obras. Eram comuns as tabuletas com o título “procuram-se” e as ofertas de emprego em volumosos cadernos de anúncios classificados do Estadão aos domingos. Datilógrafos, arquivistas, ajudantes gerais, torneiros mecânicos, ferramenteiros, tipógrafos, desenhistas industriais, soldadores, ajustadores, mecânicos de manutenção, encanadores, carpinteiros, pedreiros, motoristas, eram algumas das categorias profissionais disputadas no mercado. Na próspera região do ABCD, um novo modelo de sindicalismo demonstrava a força da classe trabalhadora. No Estado de São Paulo, cidades do interior até então pacatas, como Campinas, Osasco, Guarulhos, Jundiaí, Americana, Santa Bárbara, Limeira, Sertãozinho e Piracicaba, convertiam-se em polos de desenvolvimento.
Recuso-me a discutir o problema da inflação no governo JK, por ser assunto alheio à minha seara de conhecimentos, adquiridos em longos anos de contato com problemas relacionados ao trabalho. Trata-se de matéria reservada a economistas habituados à arte da persuasão. Limito-me à discussão do grave problema do desemprego. Em menos de 50 anos, a curva de crescimento deu lugar ao rápido esfacelamento da economia. O País represou a inflação e a moeda aparentemente se estabilizou a partir do Plano Real, mas é inegável a extrema debilidade do mercado de trabalho.
Quais seriam as propostas objetivas, e não meramente retóricas, dos candidatos à Presidência da República para a reabsorção de 13 milhões de desempregados, valorização dos salários e recuperação da renda de outros tantos milhões de subocupados, ou contratados para trabalho intermitente, eufemismo para o desemprego?
Entre as chagas sociais, a falta de trabalho é a mais dolorosa e grave. A ociosidade condena à perda da dignidade, da autoestima, dos amigos, da família, pela incapacidade de provê-la do necessário para a subsistência. A procura de colocação leva o trabalhador às ruas ao amanhecer, de onde retorna desesperançado à noite. Conseguir emprego pode demandar meses de peregrinação. Quando o encontrar, mesmo distante da residência ou em outra cidade, aceitará qualquer ocupação e rebaixamento do salário. O desempregado não goza da proteção dos direitos fundamentais prescritos na Constituição e na legislação trabalhista. Deixará de recolher a contribuição devida à Previdência Social e consumirá rapidamente parcas economias do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
No século 21 a falta de trabalho não é fruto apenas da crise econômica. Resulta, também, da globalização, da feroz concorrência e dos avanços da tecnologia. Ofícios e profissões desaparecem para sempre. São os trabalhadores redundantes referidos por Zygmunt Bauman no livro Europa, frutos da “decomposição do Estado social”. Não ter emprego, escreveu o filósofo polonês, “implica ser descartável, talvez até já ter sido excluído para sempre, destinado ao lixo ‘do progresso econômico’, aquela mudança que no final se resume em fazer o mesmo trabalho e atingir os mesmos resultados econômicos, porém com uma força de trabalho reduzida e com menor ‘custo de mão de obra’ do que antes” (Ed. Jorge Zahar, 2006).
Até o ano de 2030 o avanço inexorável da robótica deverá eliminar entre 600 milhões e 800 milhões de empregos em todo o mundo, advertem os institutos de pesquisas econômicas. Quantos serão suprimidos na América Latina e no Brasil? Para o empregado, o Estado oferece a proteção do artigo 7.º da Constituição, das disposições da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), do FGTS, da Previdência Social. Ao desempregado, o passageiro amparo do seguro-desemprego.
A sociedade exige saber o que pretendem fazer concretamente os candidatos à Presidência a respeito do cruel problema. O eleito estará concentrado em combater a inflação ou terá a coragem necessária para envolver o Estado em audaciosos projetos de desenvolvimento? O Brasil de hoje ocupa o desonroso 81.º lugar entre os países em crescimento. Fica muito atrás de Chile, Polônia, Índia, Panamá, Itália e Portugal. O que fará o próximo presidente? Terá o dinamismo de Juscelino Kubitschek ou assistirá impassível à retração do mercado de trabalho e ao martírio dos desempregados?
O que os candidatos à Presidência pretendem fazer concretamente a respeito do desemprego? (O Estado de S. Paulo/Almir Pazzianotto Pinto)