O Globo
A greve dos caminhoneiros deixou uma ferida aberta na indústria. Em maio, a produção despencou 10,9%, em relação a abril, na maior queda desde dezembro de 2008 e que dificilmente será recuperada integralmente. O resultado, divulgado nesta quinta-feira pelo IBGE, atingiu praticamente todos os segmentos, o que abalou a confiança do empresariado e colocou em risco decisões de produção, investimentos e contratação de pessoal. Para muitas indústrias, os efeitos da paralisação ainda não terminaram. Os economistas já fazem projeções mais enxutas para a expansão do setor em 2018 – se antes da greve ficavam em torno dos 5%, agora não passam de 4%. O desempenho reforça o viés de baixa para as estimativas do PIB deste ano.
“A indústria parecia retomar velocidade com um mês de abril positivo, depois do resultado frustrante do primeiro trimestre. Mas a greve colocou água no chope do setor. Esperamos uma recuperação parcial desse resultado em junho, porém a greve terá um efeito líquido negativo no ano” explicou Rodolfo Margato, economista do Santander, banco que reduziu a expectativa para o resultado fechado de 2018 da indústria de 5% para 3,5%.
Na Massas Nápoles, empresa familiar de 65 anos com sede no bairro de São Cristóvão, Zona Norte do Rio, a greve reduziu o faturamento do mês de maio em um quarto (22%), conta Thiago Trica, diretor executivo da companhia. Devido à falta de plástico, farinha e combustível, teve de paralisar as atividades da fábrica por três dias durante a greve. Mas, mesmo depois de encerrada a paralisação, suspendeu a produção em quatro dias de junho porque as entregas de insumos demoraram a ser regularizadas. Faltou farinha novamente e papelão para embalagens. A greve acabou dia 31 de maio, mas a produção e as entregas da empresa só normalizaram 14 dias depois.
“A indústria alimentícia trabalha com entregas diárias. Devido às barreiras aos caminhoneiros, só consegui entregar dentro do Grande Rio, onde era possível circular. Isso reduziu nosso escoamento entre 30% e 50% por dia” lamenta o empresário, que leva seus produtos a todos os estados e conseguiu compensar parte das perdas abrindo um turno adicional de trabalho.
MP do frete avança no congresso
A falta de insumos também afetou a produção da SilkSul tintas, fábrica de pequeno porte localizada em Almirante Tamandaré, na Região Metropolitana de Curitiba, no Paraná. No ápice da greve, ficou dez dias esperando chegar de São Paulo uma carga de resina, matéria-prima para a produção de tintas.
“Tivemos que adiar a produção em uma semana” conta a dona da fábrica, Irene Jacometti, que estima em 30% a queda tanto na fabricação, quanto nas vendas no mês de maio. “O que senti, mesmo após o fim da greve, é que os fretes ficaram mais caros. Estamos pagando mais”.
Nesta quarta, a comissão especial criada para analisar o tabelamento do frete aprovou o relatório do deputado Osmar Terra (MDB-RS), favorável à medida provisória (MP) 832, que fixou uma política de preços mínimos para o transporte rodoviário de cargas. Terra sugeriu uma tabela flexível, que vai ser ajustada sempre que o diesel variar mais que 10%.
Lucas Silva, economista da Tendências Consultoria Integrada, acredita que os impactos vão se estender a 2019. Ao reduzir a projeção deste ano para 4%, a de 2019 caiu 0,5 ponto percentual, para 4,5%.
“Essas reduções também consideram o cenário externo mais turbulento e as incertezas causadas pelo período eleitoral. A greve potencializou esses riscos” explicou Silva.
O economista Jonathas Goulart, coordenador de Estudos Econômicos da Firjan, acredita que a greve vai estimular revisões da perspectiva de crescimento da economia e criticou a postura do governo na condução das negociações com os caminhoneiros:
“Agravou a desconfiança do empresário, uma vez que gerou a percepção de que houve mudança no direcionamento da política econômica. Para compensar a queda na arrecadação decorrente da desoneração do diesel, foram adotadas medidas que aumentaram os custos do setor produtivo”.
Carros e alimentos são metade da queda do mês
Para Marcelo Azevedo, economista da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a retenção dos estoques estendeu os efeitos da greve:
“O impacto não é pontual. Indústrias voltaram a ficar com estoques maiores e levarão um tempo para escoá-los. Além disso, ainda não há uma solução definitiva para demanda dos caminhoneiros. Isso traz incertezas”.
As indústrias automobilística e alimentícia foram as mais afetadas. Nas contas do economista da Tendências, as duas atividades responderam por metade do recuo de 10,9% em maio. Os automóveis tiveram queda de 29,8% em relação a abril e de 12,8% em relação a igual mês do ano passado. Já a produção de alimentos caiu 17,1% e 14,3% nas mesmas bases de comparação.
Em relação a maio de 2017, o tombo geral da indústria foi de 6,6%. Com o resultado, a expansão no acumulado do ano caiu de 4,5%, em abril, para 2% em maio, e o nível de produção recuou ao patamar de dezembro de 2003.
“A greve trouxe quedas em magnitudes mais elevadas porque fez com que as plantas industriais ficassem desabastecidas de produtos básicos para produção e dificultou a logística de entregas e o deslocamento dos funcionários” explica André Macedo, gerente de Indústria do IBGE.
Dos produtos pesquisados, 70% tiveram recuo na produção. A Anfavea, associação das montadoras, avalia que entre 70 mil e 80 mil carros deixaram de ser produzidos no período. Dentro da indústria alimentícia, esse percentual chegou a 91%. Só dois setores não foram afetados e apresentaram crescimento: as indústrias extrativa e de derivados de petróleo, por serem menos dependentes do setor de transporte rodoviário, explicou Margato.
O impacto da greve dos caminhoneiros já foi verificado em outros indicadores. A prévia da inflação de junho apontou alta de 1,1%. Com a pressão nos preços, o Banco Central já não vislumbra uma inflação muito abaixo da meta de 4,5% este ano. (O Globo/Daiane Costa)