Agência RFI
A partir deste domingo (24), as mulheres poderão exercer o direito de dirigir na Arábia Saudita. Além de ser uma conquista relevante em um país que ainda impõe uma série de restrições, o fim da proibição de décadas promete impactar positivamente o mercado automotivo local.
A presença das sauditas ao volante deve criar oportunidades não só para as montadoras, mas também para autoescolas, companhias de seguro e de leasing. Também pode impulsionar investimentos governamentais em infraestrutura rodoviária.
Mariana Durão, correspondente da RFI em Dubai
Um estudo da consultoria PwC estima que o número de motoristas mulheres atinja a cifra de três milhões no país até 2020, montante que corresponderá a 20% da população feminina naquele ano. A título de comparação, apenas 500 mil novos motoristas homens devem ser adicionados ao mercado no mesmo período, chegando a 9,5 milhões. O relatório “Mulheres dirigindo a transformação do mercado automotivo da Arábia Saudita” estima um incremento anual de 9% nas vendas de automóveis até 2025 e de 4% em contratos de leasing. Já o número de autoescolas pode crescer 50% pelos cálculos da consultoria. Outro reflexo deve ser a geração de empregos para mulheres, que poderão trabalhar como motoristas e instrutoras em escolas só para elas.
Desde que o governo anunciou que daria às mulheres o direito de tirar carteira de motorista, em setembro passado, a indústria automotiva passou imediatamente a mirar esse público. Montadoras comemoraram o fim da restrição nas redes sociais e fizeram campanhas publicitárias tendo como protagonistas mulheres de véu. Um exemplo das ações voltadas para esse público foi o primeiro showroom de automóveis só para as motoristas, realizado em janeiro no país. Na semana passada, a Chevrolet Middle East anunciou que terá um serviço de assistência 24h para as motoristas nas estradas sauditas, independentemente da marca do carro que estiverem dirigindo. Já a petroleira Shell criou uma campanha com depoimentos de cinco homens incentivando mulheres a assumirem o banco do motorista.
Príncipe herdeiro quer transformar o país
A permissão para mulheres dirigirem é parte das reformas que estão sendo realizadas pelo jovem príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed Bin Salman, ou MBS, de 32 anos. MBS criou o programa Visão 2030, que pretende diversificar a economia saudita, reduzindo sua dependência do petróleo. A inclusão das mulheres na economia faz parte dessa estratégia econômica. A meta do governo é elevar a participação feminina no mercado de trabalho dos atuais 22% para 30% até o ano de 2030. Para alcançar o objetivo, o príncipe já criou cargos para elas em órgãos estatais e até no exército.
Recentemente outras medidas foram postas em prática para modernizar o reino – em abril o país reabriu suas salas de cinema, fechadas por mais de 30 anos. A medida está atraindo investimentos da indústria audiovisual. No mesmo mês a Arábia Saudita realizou sua primeira semana de moda e, em janeiro, as mulheres foram pela primeira vez liberadas a frequentar os estádios de futebol.
Mulheres ainda têm muito a conquistar
Apesar das reformas em curso, a Arábia Saudita continua impondo restrições às mulheres. O país está entre os lanternas do ranking de paridade de gênero do Fórum Econômico Mundial, ocupando a 138ª posição de um total de 144. A permissão para as mulheres dirigirem gerou reações negativas de alguns homens nas redes sociais.
Em maio a imprensa internacional repercutiu a detenção de algumas defensoras dos direitos das mulheres no país. A Anistia Internacional denunciou o que classificou como uma campanha de difamação contra as ativistas e apontou a contradição entre o episódio e o anúncio de reformas como o fim da proibição para dirigir.
Atualmente ainda vigora na Arábia Saudita o sistema de guarda masculina, pelo qual as mulheres precisam da permissão de um guardião – que pode ser o pai, um irmão, o marido ou até um filho – para fazer coisas simples como tirar o passaporte, viajar para o exterior, se casar e até para sair da prisão após o cumprimento de pena. As entidades de direitos humanos têm feito campanha pelo fim desse sistema de tutela, pois acreditam que só assim haverá de fato um avanço na questão da igualdade de gênero no país árabe. (Agência RFI)