Greve de maio tirou fôlego do setor industrial

O Estado de S. Paulo

 

Na virada do ano, o empresário Fernando Antonio Gomes Martins, dono de uma fábrica de parafusos, esperava investir R$ 6 milhões no negócio em 2018. Ele já imaginava as dificuldades de um ano eleitoral, mas não previa tanta indefinição. “A greve dos caminhoneiros foi só a gota d’água, uma gotinha no maremoto que pode vir por aí”, diz. Com a realidade se mostrando bem diferente do que as previsões, ele decidiu cortar R$ 2 milhões e antecipar as férias coletivas dos funcionários para adequar a produção à demanda menor.

 

A Continental Parafusos é uma indústria de médio porte que fornece para montadoras e fabricantes de eletrodomésticos. “Para alguns segmentos, a venda recuou 10% e não sei se vamos conseguir tirar a diferença”, diz. Da previsão inicial de R$ 6 milhões, metade seria investida em máquinas e equipamentos para aumentar a capacidade e o restante em gestão e inovação. Agora, o aporte será de R$ 4 milhões. Os R$ 2 milhões que seriam para aumento da capacidade vão ser adiados. “Ficamos com investimentos em produtividade, eficiência energética e gestão.” Após ter perdido duas semanas de vendas com a greve, a empresa tem hoje uma ociosidade de 40%, o dobro em relação ao final de 2017. “O grande problema é a taxa de crescimento da economia, que não aumenta”.

 

Consenso

 

O problema enfrentado por Martins afeta a indústria em geral. “Como as empresas vão faturar menos e a ociosidade é maior, elas vão tirar o pé dos investimentos”, diz o presidente em exercício da Fiesp, José Ricardo Roriz Coelho.

 

No setor têxtil, por exemplo, a última sondagem, feita em abril e maio, mostrava que 80% das empresas tinham intenção de investir mais ou o equivalente ao ano passado, ou seja, de 4% a 5% do faturamento, diz Fernando Pimentel, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção. “Mas o humor piorou com a greve, o solavanco cambial e o risco de o País crescer menos”, diz ele.

 

No setor de calçados, que opera com 70% de sua capacidade instalada e emprega 288 mil pessoas, a maior parte dos investimentos contemplados são de reposição de equipamentos. “Investimentos em expansão e inovação na manufatura são casos isolados”, diz o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados, Heitor Klein.

 

“O investimento na indústria química está muito abaixo do necessário”, diz Fernando Figueiredo, presidente da Associação Brasileira da Indústria Química. Serão R$ 2,6 bilhões ante R$ 3,8 bilhões em 2017. Na média, as cerca de 3 mil empresas usam 74% da capacidade.

 

A última pesquisa feita pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), entre abril e maio, mostrava que 81% das empresas tinham intenção de investir neste ano, ante 67% em 2017 e 64% no ano anterior. Flávio Castelo Branco, gerente executivo de Políticas Econômicas, não sabe se o indicador será mantido na próxima consulta.

 

“O cenário mudou; os juros americanos aumentaram e isso bate no nosso câmbio”, diz. “Ainda tivemos a greve, que mostrou um ambiente político fraco para negociações e uma insegurança jurídica forte – ambiente que não favorece investimentos.” Para João Marchesan, da Abimaq, a falta de projetos terá reflexos no futuro. “O investimento de hoje é o crescimento de amanhã”. (O Estado de S. Paulo/Márcia De Chiara Cleide Silva)