A recuperação motorizada

O Estado de S. Paulo

 

Com 267,5 mil veículos fabricados em março, 13,5% mais que um ano antes, o setor automobilístico segue na frente na recuperação industrial. No mês passado a produção de automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus foi a maior desde outubro de 2014, quando o buraco negro da recessão começava a engolir a economia brasileira. Na maior parte da indústria, a crise havia começado no meio do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. A recuperação começou no ano passado, principalmente a partir do segundo trimestre, e continua em 2018, mas em ritmo um tanto vagaroso na maioria dos segmentos. Depois de uma fase de reativação vigorosa, a produção geral da indústria diminuiu 2,2% em janeiro e aumentou apenas 0,2% em fevereiro.

 

Os números do bimestre foram qualificados como abaixo da expectativa por vários analistas do mercado. Mas a melhora em relação aos números do ano anterior continuou de forma inequívoca. Em janeiro e fevereiro, o volume produzido foi 4,3% maior que o acumulado nos dois primeiros meses de 2017. No caso dos bens duráveis de consumo, a diferença foi de 17,9%, explicável em boa parte pelo desempenho da indústria automobilística.

 

No bimestre, a fabricação de automóveis superou por 14,4% a do período correspondente do ano anterior. No caso dos eletrodomésticos, a diferença chegou a 26,5%. O avanço na produção dos dois grupos de bens dificilmente ocorreria sem a melhora das condições do crédito ao consumidor.

 

A inflação bem abaixo da meta contribuiu duplamente, portanto, para o aumento dos gastos de consumo e para a maior procura de bens industriais. A primeira contribuição foi direta. Quando os preços aumentam mais lentamente a renda familiar é menos corroída.

 

O efeito é ainda mais sensível quando o custo de bens essenciais, como os alimentos, evolui de modo mais favorável: sobra mais dinheiro para diversificação dos gastos. Mas a inflação baixa também contribui de forma indireta para a reativação. Preços contidos deixam espaço para redução dos juros e para condições de crédito mais suportáveis.

 

A reativação da procura tem favorecido todas as linhas de fabricação. Em março, foram produzidas 254,6 mil unidades de automóveis e comerciais leves, 11,7% mais que um ano antes, segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). As 668,3 mil unidades fabricadas no trimestre ultrapassaram por 13,1% as de janeiro a março de 2017. Foram montados 9,9 mil caminhões em março e 24,4 mil em três meses, com avanços de 67,1% e 55,1% sobre as bases de comparação – o terceiro mês e o primeiro trimestre de 2017.

 

Esses números tanto refletem a demanda final dos consumidores como as necessidades maiores de transporte numa economia em recuperação. A retomada pode ser mais lenta do que se poderia desejar ou do que haviam previsto analistas do setor financeiro e de consultorias, mas a tendência positiva parece inegável.

 

Também o comércio exterior tem contribuído para a reativação da indústria e, de modo especial, para o aumento da produção do setor automobilístico. As exportações de veículos e máquinas agrícolas proporcionaram receita de US$ 4,09 bilhões nos primeiros três meses. Esse valor é 22,3% maior que o faturamento conseguido um ano antes com as vendas externas. O número de unidades embarcadas, 180,2 mil, foi 3,3% maior que o do mesmo trimestre de 2017.

 

A reativação terá no entanto alcance limitado para a indústria automobilística e, de fato, para a maior parte do setor de manufaturas, se os investimentos em capacidade produtiva, modernização e inovação forem insuficientes. Algum investimento têm ocorrido, como indicam a produção e a importação de máquinas e equipamentos. Mas é preciso ir muito além, se se quiser atingir padrões globais de competitividade. Uns poucos setores industriais seguiram esse caminho. O exemplo mais notável é o da indústria aeronáutica, atuante em mercados de todo o mundo. O rumo é esse. O esgotamento das velhas estratégias está mais que comprovado. (O Estado de S. Paulo)