Revolução nas 4 rodas

O Estado de S. Paulo

 

Falta dimensionar o grande impacto sobre o emprego que virá a reboque da revolução prevista para o setor automotivo.

 

Terça-feira, um tribunal federal da Alemanha autorizou dois grandes municípios (Stuttgart e Düsseldorf) a proibir a circulação de veículos a diesel, sejam eles automóveis, caminhões ou ônibus. E, um dia depois, as autoridades de Roma anunciaram que preparam decisão equivalente. Embora ainda faltem pormenores sobre a abrangência dessas proibições, trata-se de novo golpe de grande impacto em toda a indústria global de veículos e no uso de combustíveis fósseis.

 

Pressões de toda ordem, e não só ambientalistas, empurram o setor automotivo para uma revolução. Parece inevitável a troca da frota mundial hoje movida preponderantemente a gasolina e diesel para carros elétricos e híbridos. Outra mudança inevitável é a adoção crescente de veículos autônomos, que operam sem condutor.

 

Há dois anos, quando o tema era levantado, imediatamente se dizia que essas novidades não estariam em vigor em menos de 40 ou 50 anos. No Brasil, então, imaginava-se um futuro desses ainda mais distante.

 

A principal mudança talvez não seja nem a adoção das novas tecnologias na produção de veículos, mas a enorme velocidade com que vem ocorrendo. A principal pressão vem da China que tomou a decisão de intensificar a substituição. Como a indústria não é uma alfaiataria e não pode produzir veículos sob medida país por país, decisões que serão adotadas em países importantes acabarão repassadas aos demais, por necessidade de integração.

 

Embora as grandes tendências estejam claras há pelo menos três anos, todo o setor de veículos passa por momentos de incertezas, por decisões ainda preliminares, pela falta de equacionamento de problemas que se tornarão inevitáveis e, até mesmo, pela falta de quantificação mínima de dados com que lidar.

 

A eletrificação da frota mundial exigirá grandes investimentos em energia elétrica. Não fará sentido produzir essa energia a partir de fontes térmicas, especialmente por meio da queima de carvão e derivados de petróleo. Seria trocar as emissões poluentes emitidas pelos escapamentos pelas mesmas emissões via chaminés. Ou seja, é preciso apressar a substituição na atual matriz energética, de fontes convencionais por fontes renováveis, especialmente por energia solar e eólica.

 

Também falta equacionar o problema da reciclagem das baterias e da rede de reabastecimento. E, mais que tudo, falta dimensionar o problema a partir do grande impacto sobre o emprego que virá a reboque dessa revolução.

 

O carro elétrico possui mecânica menos complexa do que o carro convencional. Será enorme a pressão sobre o emprego nas montadores, no setor de autopeças, nas oficinas de reparos e nas redes de postos de combustíveis.

 

E, à medida que os carros autônomos substituírem os de condução manual, também haverá dispensa correspondente de motoristas. Quando, no início do século 20, os táxis tomaram nas cidades o lugar das carruagens e dos coches, houve apenas substituição de cocheiros por motoristas. Não é o que acontecerá quando os carros autônomos se impuserem com o objetivo de evitar erros humanos na condução de veículos e, com isso, evitar enormes despesas públicas em prontos-socorros e tratamentos para recuperação de ferimentos de toda ordem. Como toda inovação, essas produzirão enorme destruição que se espera seja ao menos criativa. Cabe aos governos torná-la menos traumatizante. (O Estado de S. Paulo/Celso Ming)