Relator do Cade quer condenar montadoras

O Estado de S. Paulo

 

O relator do processo contra montadoras no Conselho Administrativo de Defesa Econômico (Cade), Paulo Burnier, votou ontem pela condenação da Fiat, Ford e Volkswagen e pediu o pagamento de multas que somam R$ 4,2 milhões. O julgamento foi interrompido por um pedido de vistas do conselheiro Maurício Maia e deverá ser retomado em 13 de dezembro.

 

No processo, que se arrasta há dez anos no Cade, a Associação Nacional dos Fabricantes de Autopeças (Anfape) acusa as montadoras de conduta anticompetitiva por impedir fabricantes independentes de produzirem peças externas para reposição, como para-choques, lataria, faróis e retrovisores.

 

As montadoras alegam que as chamadas peças aparentes estão sob registro de propriedade industrial por terem design diferenciado para cada modelo, e têm recorrido à Justiça para suspender a produção dos artigos por outras empresas. Mas as fabricantes independentes afirmam que o registro só vale para as peças utilizadas na fabricação, não para os produtos de reposição.

 

Em seu voto, o relator afirmou que a manutenção do direito de propriedade industrial no mercado de reposição cria um monopólio ao qual o consumidor estará preso após comprar o veículo. “A única forma de atuar nesse mercado é copiando o desenho da peça original. O exercício de propriedade industrial nesse mercado impede a concorrência”, afirmou.

 

Ainda assim, ele votou pela aplicação de multa mínima por entender que a infração tem caráter menos grave que outros ilícitos, como cartéis. Para a Fiat e a Volks, o valor pedido pelo relator foi de R$ 1,6 milhão e, para a Ford, R$ 1 milhão. Burnier pede ainda que as montadoras parem de impedir os fabricantes independentes de produzirem as peças de reposição.

 

Limitação

 

O advogado da Ford, Ricardo de Sousa, disse que não existe limitação na lei de propriedade intelectual de aplicar o registro às peças de reposição e que há, inclusive, obrigações legais de que as montadoras estejam nesses mercados. O defensor da Fiat, Lauro Celidonio Neto, reforçou que exercer o direito de propriedade industrial não é um ilícito e acrescentou que a discussão sobre o que é propriedade intelectual não é de competência do Cade, mas do Judiciário.

 

O advogado da Volkswagen, José Del Chiaro, disse que 97% das peças de um automóvel não estão sob proteção de propriedade intelectual, apenas as de design, e refutou o argumento de que faltam peças aparentes originais para a reposição. “As montadoras continuam abastecendo os mercados por dez, vinte anos”, disse.

 

No início do julgamento, o advogado da Anfape, Leonardo Ribas, disse que o mercado de peças de reposição já existe antes mesmo de muitas montadoras se instalarem no Brasil: “A luta não é pela condenação das montadoras, é para que a gente continue existindo. Essas três montadoras têm uma representação de mercado e, sem elas, não conseguimos sobreviver”.

 

A mesma discussão sobre os limites da propriedade industrial das montadoras no mercado secundário ocorre em vários países. Nos EUA, ainda não há uma decisão final e cortes estaduais entendem de maneira diferente. Na União Europeia, independentes são proibidos de fabricar peças de design na França, mas não em outros países, e os integrantes do grupo aguardam uma decisão final do parlamento europeu. (O Estado de S. Paulo/Lorenna Rodrigues)