Jornal do Carro
A Ford não se apresenta mais como uma fabricante de veículos. Segundo a própria empresa, agora ela é uma especialista em mobilidade. Isso ajuda a corroborar uma realidade que, anos atrás, era difícil de imaginar. As próprias montadoras estão entrando na guerra contra o carro.
A guerra, na verdade, é contra o atual conceito de automóvel. O desafio é desvendar que tipo de relação as pessoas querem ter com o veículo, ou a mobilidade individual, nos próximos anos.
Dá para dizer que legislação e smartphone são os fatores que mais influenciam na transformação do conceito de mobilidade individual. No primeiro caso, não é de hoje que governos impõem redução dos níveis de emissões por automóveis.
As montadoras, inicialmente, trabalharam com conceito de downsizing. Isso consiste em equipar os motores com injeção direta de combustível e turbo. A solução permite que motores menores tenham números de potência e torque igual aos de maiores.
Um exemplo: hoje, um quatro-cilindros rende a mesma potência, ou superior, à de um seis-cilindros. E o desempenho do primeiro carro é até melhor.
No entanto, as exigências estão aumentando, e vários países já marcaram a data do fim do motor a combustão. Ou, ao menos, do puramente a combustão, que pode ser substituído por um conjunto híbrido (combustão + elétrico).
O Reino Unido decretou o fim do carro a combustão em 2040. A França vai “se livrar” desse tipo de automóvel na mesma época. Na Noruega, a mudança virá antes, em 2025. Na Índia, está prevista para 2030.
Algumas montadoras já estão se antecipando à legislação. A Volvo terá apenas carros híbridos e elétricos a partir da próxima década. A Smart será totalmente eletrificada, nos EUA e na Europa, também a partir de 2020. Até a Land Rover priorizará os híbridos e elétricos na década que vem.
Ou seja: esqueça o conceito de carro que faz barulho. No futuro, futuro bem próximo, eles serão silenciosos. E terão um comportamento bem diferente – e menos emocionante – do entregue pelos veículos a combustão.
Não ter carro? Ou não ter de dirigir?
A conectividade em geral, e os smartphones em particular, estão mudando a sociedade e a relação das pessoas com o mundo. Por que não mudariam a com o automóvel?
Pois bem: pesquisas apontam que o jovem não quer mais saber de dirigir. Ele quer mais é ficar em seu smartphone. E se os jovens não querem mais carro, como ficaria a indústria automobilística no futuro?
Aqui, vale um adendo, que é uma opinião pessoal. Acredito que, com o passar do tempo, e as mudanças de prioridades, o jovem de hoje passe a valorizar os privilégios que vêm com o carro quando se tornar adulto, amanhã.
De todo modo, se o jovem não quer dirigir, para quem as montadoras vão vender carros? A resposta: automação. O carro será capaz de dirigir sozinho, sem participação do motorista.
Em um primeiro momento, dirigir ou não dirigir será opcional. A proposta das montadoras, porém, vai além. Dentro de algumas décadas, a ideia é que os automóveis não tragam nem mais volante e pedais. Assim, poderão se transformar em área de lazer ou trabalho.
Ruptura de conceito
Não é apenas uma transformação, mas uma ruptura em relação ao conceito de mobilidade individual que temos hoje. O prazer de dirigir não será mais prioridade, porque as pessoas não vão mais guiar seus próprios carros.
Claro, há exceções. A AMG, divisão esportiva da Mercedes-Benz, pretende continuar fazendo carros para quem gosta de dirigir. É o que revelou ao blog, durante o Salão de Frankfurt (que termina domingo), o presidente da empresa, Tobias Moers.
Mas com um adendo: os AMG também serão elétricos e autônomos. A diferença é que o motorista poderá guiar o carro, se quiser.
A solução também interessa aos governos. Isso porque a automação vai reduzir drasticamente o número de acidentes de trânsito. Na Europa, mais de 80% dessas ocorrências são causadas hoje por falhas humanas.
No Salão de Frankfurt, são vários os protótipos que trazem soluções viáveis de eletrificação, automação e compartilhamento. E o discurso de todos os executivos de montadoras, durante os dias de prévias, foram focados nesses temas.
Uma guerra comprada pela sociedade
Existe sim, por parte de governos e parte da sociedade, uma guerra contra os carros. Carro polui, carro gera trânsito, carro gera acidente. Isso não dá para negar.
Carro, no entanto, é um facilitador. Em países como o Brasil, no qual o transporte coletivo ainda é precário, são a melhor maneira de se deslocar de um local ao outro.
Mesmo onde há opções de transporte não-individual, eles ainda são bastante úteis. Com o carro, não há dependência de horários, de trajeto. E o que falar do prazer de viajar com o próprio veículo, desbravando estradas e, sim, guiando. Porque ainda há muitas pessoas que amam dirigir.
As montadoras entraram em um meio-termo nessa guerra contra o automóvel. Para não perder seu ganha-pão, elas passaram a fazer novas propostas de mobilidade individual. Propostas mais racionais.
Assim, declararam guerra a um conceito que elas mesmas criaram. E estão empenhadas nessa guerra. Dá para dizer que, hoje, o carro autônomo e eletrificado não vai vingar somente porque os governos querem, e talvez porque os consumidores queiram. Eles vão vingar, principalmente, porque as montadoras querem. (Jornal do Carro)