O Estado de S. Paulo
Já imaginou se os carros fossem capazes de desviar sozinhos de obstáculos? E se toda vez que o motorista pisasse no acelerador além da conta, a música que toca no veículo também acelerasse? O que falar, então, da possibilidade de realizar um eletroencefalograma em tempo real para avaliar o nível de cansaço de um caminhoneiro ao volante, tomando medidas para despertá-lo, caso entre em estado de sonolência? Todas essas situações estão mais próximas de se tornar realidade do que você imagina.
Investir na infraestrutura de estradas é fundamental para a segurança viária, mas a evolução das tecnologias automotivas – atualmente marcadas pela digitalização – tem papel-chave na redução de acidentes e mortes nas rodovias. Basta olhar para trás e lembrar o que significou a invenção do cinto de segurança, que impede a projeção dos ocupantes do veículo em caso de colisão, e do freio ABS, responsável por evitar que as rodas travem e o carro derrape.
Segurança High-tech
E os dispositivos estão ficando cada vez mais sofisticados. Nos últimos anos, a disseminação no uso de sensores e a ampliação na capacidade de transmissão de dados estão tornando palpáveis conceitos que antes pareciam restritos às histórias de ficção. “As montadoras sempre contribuíram com a segurança viária em ações voltadas para o próprio veículo, a exemplo da implantação de recursos como airbags. Mais recentemente, porém, estão começando a aparecer papéis menos comuns, como carros conectados e até mesmo autônomos”, explica Flávio Lima, diretor de Engenharia e Inovação América Latina da Renault.
Um exemplo é o surgimento do ESP, uma versão aprimorada do ABS, que identifica por meio de sensores a perda de tração em cada uma das rodas e corrige o problema de forma automática, devolvendo o controle do carro ao motorista. Ao mesmo tempo, recursos como radares e câmeras em 360º já ajudam os condutores a identificar obstáculos ao redor do automóvel, podendo tanto emitir um alerta quanto tomar medidas de forma autônoma para evitar acidentes. Eles carregam ainda uma importante vantagem: a capacidade de processar informações numa velocidade muito superior à do cérebro humano, o que quer dizer, na prática, um tempo de resposta menor.
Inteligência de dados
O que muitos desconhecem é que alguns modelos disponíveis hoje no mercado – no brasileiro, inclusive – já contam com uma série de controladores que monitoram desde o motor até a gestão de energia do veículo, produzindo um volume de dados que pode chegar a 25gB por dia. Com o carro conectado, essas informações poderão ser cruzadas com as de outros automóveis, gerando conclusões em tempo real sobre o estilo de direção de cada motorista ou sobre locais onde há maior incidência de infrações de trânsito. “O Big Data têm permitido uma análise muito mais detalhada do perfil e do comportamento das pessoas, e isso não é diferente nos contextos automotivo e viário. Essas tecnologias facilitam a identificação de riscos relacionados à segurança de motoristas e passageiros, prevenindo a ocorrência de falhas mecânicas, por exemplo”, aponta Roberto Celestino Pereira, gerente de Inovação e Estratégia na consultoria Everis Brasil.
Assim, no futuro, por exemplo, quando ocorrer um acidente, uma frota totalmente conectada poderá, não apenas sinalizar o problema aos demais motoristas, evitando novas colisões e a formação de congestionamentos, como também contribuir para que o resgate chegue mais rapidamente ao local, acelerando o socorro às vítimas. A boa notícia é que algumas experiências com esse tipo de tecnologia já vêm sendo realizadas ao redor do mundo. E os resultados se revelam animadores.
Automatização e realidade aumentada
A Renault conduziu uma pesquisa na França em parceria com a Sanef (operadora de rodovias pertencente ao grupo Abertis) na qual usou a comunicação entre veículos e estrutura viária para racionalizar a passagem de carros em praças de pedágio. Os veículos reduziam a velocidade e se posicionavam nos guichês de forma autônoma, resultado em menor tempo de parada e aumento da segurança. “Se é possível fazer no pedágio, automatizar o restante da viagem é até mais fácil”, explica Flávio Lima.
Íntimas do universo dos videogames, as realidades virtual e aumentada também serão recursos empregados na prevenção de acidentes. A primeira já tem sido aplicada na capacitação de motoristas, simulando situações encontradas no trânsito. Já a aumentada poderá se tornar uma assistente importante ao volante, segundo Pablo Foncillas, professor de marketing do IESE, escola de negócios da Universidade de Navarra, na Espanha.
“Enquanto dirigimos, certas indicações sobre nosso destino, bem como advertências, poderão ser exibidos em óculos ou no para-brisa do veículo. Isso evitará que o condutor olhe para um navegador ou desvie sua visão para o painel”, explica, ressaltando que o recurso não deve ser usado em excesso para não provocar distrações.
Novas abordagens para velhos problemas
Mas não é apenas aplicada em veículos ou dispositivos que a tecnologia pode contribuir com a redução de acidentes. Ela também inspira novas abordagens para impactar e sensibilizar motoristas e pedestres sobre os riscos do trânsito. Um exemplo é o aplicativo Speed-O-Track, da Arteris, que identifica a velocidade permitida na via em que o automóvel trafega e, quando motorista a excede, acelera a música, retornando ao normal apenas quando o limite volta a ser respeitado.
“O aplicativo teve sucesso ao optar pela música, que está intimamente ligada à condução. Essa associação entre as velocidades de condução e da canção leva-nos mentalmente a pensar que estamos correndo demais”, diz Foncillas.
Voz de criança e wearables
Abordagem semelhante foi usada pela seguradora sueca If P&C Insurance. Seu aplicativo, que funciona como navegador GPS, identifica quando o motorista se encontra perto de uma escola ou um berçário e passa a dar instruções de rota com a voz de uma criança. “Esse fato induz o condutor a reduzir a velocidade subconscientemente”, completa o especialista espanhol.
Já a Everis trabalha em um conceito inovador para conscientizar caminhoneiros em questões ligadas à dirigibilidade e, principalmente, à saúde ao volante. A consultoria vem conduzindo testes que utilizam wereables (dispositivos tecnológicos que podem ser vestidos pelo usuário) para monitorar, em tempo real, a atividade cerebral dos motoristas de veículos pesados, identificando as situações em que ele começa a entrar em estado de sonolência.
“A hipótese que queremos comprovar é a correlação entre hábitos de vida do condutor, como alimentação, peso, tabagismo, com os comportamentos e riscos durante o trajeto, considerando também horário e tempo da viagem, tipos de estrada e de carga, entre outros fatores”, revela Roberto Celestino Pereira.
Após mais de 500 horas de testes em rodovias, as primeiras conclusões do estudo começam a surgir. Aqueles que fumam e bebem costumam apresentar maior incidência de cansaço, e períodos como amanhecer e o pôr-dosol são mais perigosos porque há uma diminuição da atenção ao volante. “Além do monitoramento, estamos buscando maneiras de sensibilizar o motorista. Uma das saídas testadas com sucesso é soltar uma mensagem de voz de um membro da família quando ele apresenta sonolência”, destaca o gerente de Inovação e Estratégia na Everis Brasil.
Aplicativo que relaciona velocidade do veículo ao ritmo da música ajuda na conscientização do motorista. (O Estado de S. Paulo)