O Estado de S. Paulo
Nos últimos anos, a indústria automobilística nacional amargou um dos piores períodos de sua existência desde a década de 1950. Poucas vezes, para não dizer nunca, se viu uma queda tão vertiginosa na produção e na venda no mercado interno. A capacidade ociosa passa dos 50% e isso tem impacto na vida de milhões de pessoas que, de uma forma ou de outra, estão ligadas ao setor.
Milhares de empregados das montadoras perderam seus empregos. Eles são o lado visível da história, mas existem outros milhares, que trabalhavam para fornecedores e prestadores de serviços, que também perderam seus postos de trabalho, sem maior destaque na imprensa, exceto estarem no meio dos 14 milhões de brasileiros que perderam seus empregos nos últimos três anos.
Do céu para o inferno foi coisa de pouco tempo. Na sequência de investimentos pesados de grupos empresariais focados em vender no Brasil, a ociosidade do setor foi um banho de água fria que levou muita gente à falência ou – os que tiveram sorte – à recuperação judicial.
Imaginar que o setor de seguros não foi afetado pelo quadro é desconsiderar a realidade e tapar o sol com a peneira. A carteira de seguros de veículos é uma das mais importantes e várias companhias têm o grosso de seu faturamento gerado por ela. Com a crise, estas companhias estão amargando um “índice combinado” fortemente negativo, o que, evidentemente, está comprometendo o resultado de seus balanços.
Mas não são apenas as seguradoras que estão sofrendo com a queda vertiginosa na venda de veículos zero-quilômetro. A grande maioria dos mais de 60 mil corretores de seguros espalhados pelo Brasil tem o grosso de seus negócios focado no seguro de automóveis. Com a queda nas vendas dos carros novos e, consequentemente, com a queda da captação de novos negócios para suas corretoras, vários deles atravessam situação extremamente complicada, não só na corretora, mas também na vida privada, já que a dependência deste faturamento interfere nos ganhos da família.
Nos últimos meses, o setor automobilístico apresenta alguma recuperação. Nada comparável aos índices anteriores, mas pelo menos as montadoras estão produzindo de novo, ainda que a maioria da produção se destine à exportação. Bom para elas, mas não tão bom para o setor de seguros. E a recuperação econômica só deve vir depois de 2020, o que não é uma boa notícia para seguradoras e corretores de seguros focados nos seguros de veículos.
Como se não bastasse a recuperação só acontecer daqui a dois anos, ainda que ela aconteça a pleno vapor, o desenho social que se apresenta como mais provável aponta uma profunda mudança de hábitos da população, com o carro próprio perdendo espaço para outras formas de transporte, desde o transporte público até o uso compartilhado dos veículos.
Isso cria uma série de desafios importantes para quem pretende continuar trabalhando com seguros de veículos. Não que eles não possam ser um bom negócio para quem entender e se adaptar às mudanças, mas não serão mais o negócio praticado hoje em dia.
Mesmo com a recuperação econômica a pleno valor, ainda assim haverá uma queda acentuada na venda de carros zero-quilômetro. Consequentemente, haverá a redução do tamanho da frota, já que, além de diminuir a entrada de carros novos, a saída dos carros usados deverá se manter constante e, eventualmente, mais acelerada do que atualmente. Isso significa que haverá menos seguros para serem feitos, acirrando a competição entre as seguradoras e os corretores de seguros, o que levará à consolidação de novos canais de venda, como a venda pela internet, hoje muito discutida, mas ainda longe de ser expressiva.
Basicamente, este cenário abre dois caminhos: o primeiro é a diversificação das carteiras, tanto de seguradoras, como de corretores de seguros. E o segundo, a reinvenção do seguro de automóveis, com o desenvolvimento de novas formas de cobertura para casco e a revisão do seguro de responsabilidade civil, já que, com certeza, o desenho atual será insuficiente para a nova realidade, prevista para o futuro próximo.
Mesmo com a recuperação da economia, ainda assim haverá uma queda acentuada na venda de carros novos. (O Estado de S. Paulo/Antonio Penteado Mendonça)