Parcerias devem dominar o setor de carros autônomos

O Estado de S. Paulo

 

O simpático carro sem motorista, totalmente projetado e construído pelo Google, representa um futuro que o mundo não vai ver. “Construir um carro é difícil e muito caro. Construir um carro autônomo, confiável, confortável e seguro, é praticamente impossível”, diz Bryant Walker Smith, pesquisador do Centro de Internet e Sociedade da Universidade de Stanford. Isso não significa que os veículos sem motorista não chegarão ao mercado, mas eles serão radicalmente diferentes do que se pensava há alguns anos.

 

Empresas como a Waymo, do Google, e a Apple deixaram de lado os planos de criar um carro do zero. Nos últimos meses, as duas companhias decidiram focar em construir sistemas que serão o “cérebro” dos veículos autônomos. “Elas são empresas de software, acostumadas a ter margens de lucro altas, e não querem gastar com fábricas”, diz Michael Ramsay, diretor de pesquisa do Gartner.

 

Áreas como análise de dados, monitoramento de sensores ou conectividade, por exemplo, estão no foco das empresas de tecnologia, por terem grande potencial de crescimento nos próximos anos. O mesmo não é possível dizer da parte mecânica dos carros, que continua similar há décadas – e coloca em xeque o futuro das montadoras.

 

Para o professor da Universidade de São Paulo em São Carlos Fernando Osório, a indústria automotiva está fazendo parcerias com as empresas de tecnologia, mas, ao mesmo tempo, está desenvolvendo softwares próprios – uma estratégia para escapar da dependência. A seu favor, elas têm o domínio da fabricação dos carros, seara que as gigantes de tecnologia desistiram de explorar.

 

Segundo o Gartner, são mais de 45 projetos de carros autônomos em andamento atualmente no mundo. A maioria deles compreende a colaboração entre empresas de tecnologia e montadoras, mas os modelos de colaboração ainda estão sendo definidos.

 

Há quem aposte que vão prevalecer os acordos fechados – nos quais uma montadora só usará a plataforma de uma empresa de tecnologia. Outro modelo possível é o aberto, em que um sistema de direção autônoma será licenciado por inúmeras fabricantes, como o Google faz com o Android em smartphones. “Espero ver parcerias fechadas no curto prazo, porque isso facilita o desenvolvimento rápido da tecnologia”, diz Walker. “No longo prazo, porém, o modelo aberto pode ser mais interessante.”

 

Revisão. A chegada dos carros autônomos nas estradas, de forma comercial, está prevista para começar em 2020 em países desenvolvidos. Quando eles chegarem às ruas, apostam os analistas, haverá outra mudança de comportamento: a vasta maioria das pessoas deixará de ter carros, e começará a pagar por viagens, em um movimento antecipado por aplicativos de transporte como Uber e 99.

 

“Ter um carro é algo cada vez menos prático nos grandes centros urbanos, e só vai piorar”, diz Ramsey. Até lá, as montadoras vão precisar rever seus modelos de negócios – numa janela em que há muita pressão, mas também oportunidades.

 

No futuro, é possível que essas empresas passem a administrar frotas de carros autônomos, fazendo parcerias com aplicativos para vender viagens. É dessa forma que a startup Moovit, conhecida por seu aplicativo homônimo, pretende ganhar dinheiro no futuro. “É hora das empresas pensarem em si mesmas como fornecedoras de serviços”, diz Walker. Não à toa, a GM investiu US$ 500 milhões em janeiro de 2016 no Lyft, principal rival do Uber nos EUA.

 

Para Mauro Correia, presidente da Sociedade de Engenheiros da Mobilidade (SAE Brasil), as montadoras vão liderar a fabricação do carro sem motorista, unindo os diferentes sistemas feitos pelas empresas de tecnologia, como fazem hoje ao integrar autopeças nos carros tradicionais.

 

“Hoje, a montadora usa o motor de um fornecedor, o freio de outro. No futuro, isso vai acontecer com o sistema de direção, de segurança, de entretenimento”, diz Correia. Estrada à frente. Entre as montadoras e as gigantes da tecnologia, porém, governos e startups também podem ajudar o setor a avançar. “Cada país precisa entender qual é o papel que suas indústrias vão desempenhar nesse setor”, diz Walker. “Israel, por exemplo, percebeu que pode ganhar dinheiro.”

 

A principal prova disso é a Mobileye, startup de Jerusalém que desenvolve sensores de colisão e detecção de espaço de carros autônomos: em fevereiro, a empresa foi adquirida por US$ 15,3 bilhões pela fabricante americana de chips Intel. Mas há mais que isso: em visita recente a Israel, a reportagem do Estado constatou que há diversas startups criando sistemas para proteger os carros sem motorista de ciberataques.

 

É o caso da Argus, criada em 2013 e que tem uma aliança com a Mercedes-Benz. “Precisamos convencer a todos que a segurança é um problema”, diz Monique Lance, diretora de marketing da startup. “Pode acontecer um WannaCry dos carros no futuro”, diz ela, fazendo referência ao ciberataque que infectou 300 mil computadores no mundo em maio. (O Estado de S. Paulo/Bruno Capelas)