Empresas embarcam no carro voador

O Estado de S. Paulo/The New York Times

 

Numa tarde recente, um engenheiro aeroespacial que trabalha para uma pequena empresa do Vale do Silício, a Kitty Hawk, conduziu um carro voador sobre o pitoresco lago situado a cerca de 160 quilômetros ao norte de São Francisco. O veículo, que voou por cinco minutos a quatro metros de altura, é uma máquina com assento aberto pesando quase cem quilos e movido a propulsores acionados por oito baterias que fazem um ruído tão alto quanto uma lancha a motor.

 

Apesar de não parecer com o que era imaginado pela ficção científica, o automóvel voador é mais uma mostra de que o setor de tecnologia gosta de subverter as coisas – e, recentemente, as montadoras são o grande alvo. Carros que usam inteligência artificial para se movimentar sem motoristas vêm sendo desenvolvidos há alguns anos e já podem ser vistos nas estradas de alguns países. E agora, entram no radar as máquinas voadoras.

 

Mais de uma dezena de startups financiadas por figuras endinheiradas do setor, como Larry Page, cofundador do Google, estão apostando no sonho do carro voador. Os enfoques das diferentes empresas variam e a realização das ideias que competem entre si parece muito distante no futuro. Mas têm algo em comum: a crença de que um dia as pessoas comuns poderão voar com seu próprio veículo em torno da cidade.

 

São desafios, sem dúvida, em se tratando da tecnologia e das normas governamentais. Talvez o maior obstáculo seja convencer o público de que a ideia não é maluca. “Adoro a ideia de sair no meu quintal e entrar no meu carro voador”, disse Brad Templeton, empresário do Vale do Silício que trabalhou como consultor do projeto de carros autônomos do Google “Odeio a ideia do meu vizinho ao lado ter um”.

 

Kitty Hawk, empresa bancada por Page e que testou o carro sobre um lago, está tentando ser uma das primeiras e planeja vender seu veículo até o final do ano. Ela já despertou um forte interesse por causa de Page e de seu diretor executivo, Sebastian Thrun, um dos pioneiros em carros autônomos, e ex-diretor do laboratório Google X.

 

Page não atendeu aos pedidos de entrevista, mas disse, em comunicado, que “todos nós sonhamos em voar sem esforço. Estou empolgado de que muito em breve teremos o carro voador Kitty Hawk para um voo pessoal fácil e rápido”.

 

Aposta. O Kitty Hawk Flyer é um dos vários protótipos que a startup, com sede em Mountain View, Califórnia, está desenvolvendo. Ela pretende criar um público de entusiastas e aficionados que no final deste ano terá condições de pagar US$ 100 para se inscrever na fase de testes do veículo e ter um desconto de US$ 2 mil no preço no varejo de um Flyer.

 

Uma oferta inusitada, uma vez que a companhia ainda não estabeleceu um preço para o carro e o envolvimento de Thrun e Page pode ser entendido como uma prova de que a empresa está de olho em mais gente além dos aficionados. Mas a Kitty Hawk claramente tem em mira um novo tipo de transporte – um voo que pode ser feito em segurança por muitas pessoas e, espera-se, com aprovação do governo.

 

“Mantemos contato com a Federal Aviation Administration (FAA) e consideramos que os responsáveis da agência são nossos amigos”, disse Thrun, numa entrevista. E concordou que as preocupações sobre veículos voando sobre nossas cabeças são legítimas. “Acho que todos nós temos de trabalhar juntos para compreender como as novas tecnologias moldarão o futuro da sociedade.”

 

Os céticos são muitos e eles apontam para os obstáculos no caminho desses veículos. Já existe uma forte resistência à ideia de drones não pilotados voando sobre áreas urbanas e os carros voadores devem enfrentar a mesma forte oposição.

 

Barreiras

 

Para os veículos voadores pessoais se tornarem uma realidade nos Estados Unidos, o país necessitará de um sistema de controle do tráfego aéreo totalmente novo. Há dois anos, por exemplo, a National Aeronautics and Space Administration começou a desenvolver um sistema de controle de tráfego para gerir todo o tipo de veículo no espaço, incluindo os drones. Um desenvolvedor da Nasa disse que seria um sistema “para um céu obscurecido por drones”.

 

As baterias também são um problema. Embora os motores movidos a baterias elétricas sejam promissores, a tecnologia atual não sustenta voos de uma distância razoável, digamos uma viagem de 50 ou 80 quilômetros. “Como isto vai funcionar? Acho que não podemos nem usar nossos celulares nos aviões hoje pelo temor de as baterias se incendiarem”, disse Missy Cummings, diretor do Laboratório de Humanos e Autonomia da Universidade de Duke.

 

E não podemos esquecer que os carros voadores não conseguirão sair para o acostamento na estrada em uma emergência, disse John Leonard, engenheiro mecânico do Laboratório de Inteligência Artificial e Ciência da Computação no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). “O Vale do Silício está repleto de pessoas inteligentes, mas nem sempre entendem as leis da física. A gravidade é um adversário de peso”, disse ele. (O Estado de S. Paulo/The New York Times/John Markoff, tradução de Terezinha Martino)