Desoneração de pagamentos deve acabar para todos

O Estado de S. Paulo

 

Com a difícil missão de fechar um rombo de R$ 58,2 bilhões do Orçamento deste ano, a equipe econômica deve propor hoje ao presidente Michel Temer a retirada da desoneração da folha de pagamentos para todos os setores beneficiados pelo incentivo tributário. Polêmico, o benefício foi concedido durante o governo da presidente Dilma Rousseff e custaria somente este ano R$ 16 bilhões para os cofres do governo federal.

 

A reoneração da folha para todos os setores tem potencial para elevar em R$ 8 bilhões a previsão de arrecadação e ajudar a diminuir a necessidade de um corte maior das despesas para tapar o rombo do Orçamento. A mudança deve ser enviada por Medida Provisória (MP), mas o Congresso precisa referendá-la. A medida entraria em vigor três meses a contar da data da publicação da MP.

 

A estratégia é mostrar que não se trata de uma medida de alta de tributos, mas de retirada de incentivos que não se sustentam nesse momento de necessidade de mostrar a capacidade do governo de garantir o cumprimento da meta fiscal, que é de déficit de R$ 139 bilhões.

 

O corte deverá ficar em aproximadamente R$ 30 bilhões. Ligeiramente acima ou abaixo a depender do desenho a ser aprovado pelo presidente Michel Temer.

 

A proposta final seria fechada durante a noite desta terça-feira para o anúncio ser feito nesta quarta.

 

Repatriação

 

O impasse em torno da alta de tributos e questões jurídicas levaram à postergação do anúncio do corte, que aconteceria ontem. Devido à forte resistência de todos os setores que serão prejudicados com elevação da tributos, o governo tentava nesta terça-feira ainda buscar uma solução.

 

Uma fonte da equipe econômica revelou que o governo está reavaliando “com cuidado” a previsão de receita com o programa de repatriação de recursos não declarados ao exterior, disse. Segundo a fonte, uma decisão judicial permitiu a adesão de parentes de políticos.

 

“Saiu uma decisão de um juiz abrindo a possibilidade. É um caso específico, mas pode indicar uma tendência”, disse a fonte, destacando que uma análise será feita para avaliar se o governo tem condições de aumentar a previsão de receitas com a repatriação. Se a receita com a repatriação aumentar, pode evitar as medidas de eliminação das desonerações.

 

Além das pressões do setor produtivo, há uma preocupação grande com o impacto da reoneração da folha para o processo ainda frágil de retomada do crescimento econômico.

 

O governo descartou, por ora, elevar PIS e Cofins nos combustíveis por causa da inflação. E também não promoverá um aumento geral da alíquota do IOF. Deve elevar o IOF de operações que estão isentas e promover uma isonomia tributária.

 

Diferentes setores questionam volta de taxação

 

Representantes de diferentes setores reagiram com preocupação ao fim da desoneração da folha de pagamento a ser proposto pelo governo Temer. Na avaliação de entidades, a volta da taxação deve prejudicar a indústria em um momento sensível, em que o mercado interno ainda não se recuperou.

 

Segundo o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade, o fim da desoneração da folha de pagamento comprometerá ainda mais a capacidade da indústria brasileira de sair da crise. “As empresas ainda estão muito sacrificadas com o mercado ruim, mas já temos um custo elevado com encargos trabalhistas”, afirmou. “Entendo a situação do governo de precisar entregar o resultado fiscal, mas para isso deveria fazer um corte maior em vez de onerar as empresas”, afirmou.

 

Para o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), José Carlos Martins, o governo deveria ao invés de onerar as empresas, aumentar a fiscalização para combater a informalidade. Só no setor da construção, diz, o potencial de arrecadação com a formalização dos empregos chegaria a R$ 30 bilhões por ano. “Onerar neste momento é uma medida contra o emprego, justamente quando o País precisa gerar novas vagas. É incoerente.”

 

Quando a desoneração começou, foi um mecanismo criado pelo governo para que setores potencialmente exportadores e que tivessem emprego massivo de mão de obra pudessem melhorar sua competitividade, lembra o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Heitor Klein. “Três setores foram enquadrados inicialmente, por terem essas características: o de calçados, o de confecções e o de móveis. A partir daí, esse sistema foi aplicado para um grande número de segmentos. Evidentemente, com o desvirtuamento do propósito inicial, se criou o impacto nas contas públicas.”

 

Para Klein, é preciso avaliar o histórico da medida. “O governo tem um impasse, pretende resolver o problema das contas públicas, mas há um custo que pode ser desastroso”, diz. (O Estado de S. Paulo/Adriana Fernandes, Murilo Rodrigues Alves e Douglas Garvas)