O Estado de S. Paulo
O governo de Michel Temer atravessa a sua fase mais difícil. O presidente, cuja legitimidade é fortemente contestada pela oposição, viu sua popularidade cair aos níveis assustadores registrados por Dilma Rousseff antes do impeachment. Em maio, quando assumiu interinamente, o desemprego estava em 11,2%. Em outubro, última divulgação, tinha subido para 11,8%. Nesse período, a renda média real continuou a cair.
As expectativas de crescimento eram muito ruins quando Temer tomou as rédeas do País, ainda refletindo o descontrole final do governo Dilma. Mas uma onda de otimismo, bem mais de investidores e participantes do mercado financeiro do que do brasileiro médio, fez com que as projeções de PIB melhorassem até atingirem seu melhor nível em meados de setembro, quando se previam queda de 3,15% este ano e alta de 1,38% em 2017.
O clima, no entanto, voltou a piorar, e as previsões médias mais recentes do mercado são de recuo de 3,48% em 2016 e de crescimento de apenas 0,58% no próximo. O próprio Banco Central (BC), na divulgação ontem do relatório Trimestral de Inflação (RTI), reduziu sua previsão de crescimento em 2017 de 1,3% para 0,8%.
Fica evidente, portanto, que, em termos da economia, que acaba se refletindo no bolso, a população brasileira tem razões mais do que suficientes para estar insatisfeita com o governo Temer. O inferno astral do presidente, porém, não se encerra aí. Levados ao poder por um movimento anticorrupção, Temer e seu grupo político estão sendo atingidos pesadamente pela Lava Jato e outros escândalos, que derrubaram vários ministros.
Se alguns alimentavam alguma dúvida sobre se todos esses revezes econômicos e políticos teriam afetado a capacidade de governar de Temer, parece que agora podem ter certeza, a se julgar pela derrota do governo na votação na Câmara, na terça-feira, da renegociação das dívidas estaduais com a União e da criação do regime de Recuperação Fiscal para Estados.
Num nível de alienação similar ao de Maria Antonieta na Revolução Francesa ou dos participantes do baile da Ilha Fiscal às vésperas da queda da monarquia, os deputados eliminaram praticamente todas as contrapartidas de responsabilidade fiscal dos Estados, em meio a uma devastadora crise das contas públicas que arrisca comprometer o desenvolvimento do Brasil por décadas e décadas. Do ponto de vista de Temer, entretanto, o que conta é que o governo não pôde ou não quis impedir esse ato quase demente de irresponsabilidade da Câmara.
Leitoras e leitores que chegaram até aqui nesta coluna podem ter concluído que o articulista já dá como certo o fracasso do governo Temer. Mas não é bem assim. É claro que qualquer cenário é dependente dos imprevisíveis desdobramentos da Lava Jato, mas é possível interpretar o atual momento da gestão do presidente como aquela fase em que a medicação já está combatendo as raízes químicas da doença, mas não se traduziu ainda em alívio dos sintomas. É um momento particularmente difícil, porque os efeitos colaterais indesejados estão no ápice, mas o paciente ainda não sente nada da cura que pode estar a caminho. É a hora em que tantas e insensatas vezes se abandona o tratamento.
Senão, vejamos. A PEC do limite de gastos, uma peça legislativa revolucionária na história das contas públicas brasileiras, foi aprovada. A inflação entrou nos eixos, e agora a discussão é se a queda de juros será veloz ou muito veloz. Os últimos dados mostram reação da indústria automotiva. Pela primeira vez, uma reforma da Previdência drástica o suficiente para se aproximar da solução do problema foi enviada pelo governo ao Congresso. O fiasco na Câmara na reestruturação da dívida dos Estados pode ser um movimento tático para “escolher a briga certa”, isto é, a Previdência. A hora é de persistir na busca da luz no fim do túnel. (O Estado de S. Paulo/Fernando Dantas)